Título: Sinal amarelo na performance fiscal
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Brasil, p. A2

A Secretaria do Tesouro Nacional havia traçado como meta para desempenho fiscal no primeiro trimestre, já considerando as sazonalidades de um ano eleitoral, um superávit primário consolidado de R$ 21 bilhões. No bimestre janeiro/fevereiro, porém, conseguiu obter um saldo de apenas R$ 7,8 bilhões. Dificilmente, para não dizer que é impossível, acumulará um superávit de R$ 13,2 bilhões em março. As demandas por gasto têm sido crescentes, o que também é normal num período eleitoral, mas a velocidade com que se observa uma deterioração das contas públicas é preocupante. E isso coincide exatamente com o período em que o ex-ministro Antonio Palocci começou a se enfraquecer, no segundo semestre do ano passado. Sob suspeitas de ter agido mal enquanto ministro, Palocci perdeu, no final de 2005, o debate na defesa de um endurecimento fiscal para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. E perdeu, também, as condições para proteger o caixa com a mesma intensidade que vinha fazendo antes. Os dados evidenciam esse afrouxamento.

-------------------------------------------------------------------------------- Está na hora de botar o pé no freio -------------------------------------------------------------------------------- Em outubro do ano passado, o superávit primário acumulado em 12 meses era de 5,15% do Produto Interno Bruto (PIB). Este foi cadente mês a mês, e em fevereiro, último dado oficial, caiu para 4,38% do PIB. Uma redução de 0,77% do PIB em quatro meses. Não é nada, aparentemente, mas significa um gasto público adicional de quase R$ 15 bilhões (considerando o PIB de 2005). Parte disso, ou seja, 0,44% do PIB, foi de aumento do gasto do governo central, sendo que 0,06% do PIB decorreu de aumento da despesa com a Previdência Social. E outro 0,2% do PIB representa acréscimo no dispêndio das estatais federais. Os principais itens de aumento do gasto no primeiro bimestre do ano foram: 17% de elevação real nas contas de outros custeios e capital; 8% reais de crescimento das despesas da Previdência Social e da folha salarial; além de 6% reais nas transferências a Estados e municípios. O superávit primário acumulado entre janeiro e fevereiro de 2005, de 5,3% do PIB, caiu agora para 2,4% do PIB. As informações sobre a política fiscal de março vão deixar mais claro esse quadro. Isso não significa que o cumprimento da meta anual de superávit de 4,25% do PIB está comprometido. Ainda há muito jogo pela frente. Mas expressa pelo menos duas coisas importantes: não será suficiente o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurar que não haverá "gastança". Mais do que isso, ele terá que interromper esse processo, que começou em meados do segundo semestre do ano passado. Até porque o superávit que não foi feito no primeiro trimestre terá que ser compensado nos meses seguintes. Em segundo lugar, como não se pretende, no governo, manter neste ano a mesma média de superávit de 4,6% do PIB executada nos três anos anteriores, apesar de a meta ser menor, a política fiscal, neste exercício, será a mais expansionista do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um fato que coincidirá com a esperada redução da taxa básica de juros, a Selic. Ou seja, afrouxam-se tanto a política monetária quanto a fiscal. Por enquanto, os responsáveis pelo monitoramento da inflação não detectam qualquer movimento nos preços e nas expectativas que reflitam essa realidade, de um fiscal mais expansionista. Mas a política fiscal tem seus "lags" mais elásticos do que a política monetária. Pelo que o Banco Central diz no relatório trimestral de inflação, divulgado ontem, não há sinais de risco no balanço entre a demanda e a oferta agregadas de um recrudescimento inflacionário para um crescimento econômico esperado de 4% este ano. Ainda assim, alertam economistas encarregados da gestão fiscal, está na hora de ficar atento e de o governo colocar uma "meia trava" na despesa. Sobretudo porque o salário mínimo, que a partir de amanhã sobe para R$ 350,00, será um elemento a mais para pressionar os gastos com previdência e benefícios sociais. Ontem, preocupado com a percepção de que poderá patrocinar uma "gastança" para impulsionar o crescimento econômico no ano eleitoral, Mantega reiterou que não será leniente com as contas públicas e lembrou que foi ele, em 2003, como ministro do Planejamento, quem executou uma das restrições fiscais mais duras dos últimos 12 anos. A situação não é dramática, mas inspira cuidados. A expectativa dos gestores da política fiscal é que o governo já comece a desacelerar um pouco a pressão sobre o caixa do Tesouro Nacional a partir de abril e que, de julho em diante, o gasto público despenque naturalmente diante das restrições impostas pela legislação eleitoral para a liberação de verbas. Endossa essa esperança o fato de que todos os economistas, quando estão fora do governo, ou quando estão no governo, mas fora da órbita do Planejamento, Fazenda e Banco Central, são mais generosos com as suas próprias análises. Mas, quando sentam na cadeira de ministro da Fazenda, sentem o peso da responsabilidade pelo cumprimento estrito das metas fiscais e sofrem as conseqüências de eventuais deslizes, e, aí, a história muda de figura.