Título: Escolhido mescla austeridade fiscal e preocupação com setor produtivo
Autor: Cristiano Romero e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Brasil, p. A4

A escolha de Carlos Kawall para a Secretaria do Tesouro sinaliza que Guido Mantega deve manter o foco na austeridade fiscal, mas sem deixar de lado a preocupação com setor produtivo. Embora tenha sido economista-chefe do Citibank por oito anos, as trajetórias acadêmica e profissional de Kawall revelam sua preocupação com o financiamento de longo prazo às empresas, que, segundo ele, poderiam contar com o mercado de capitais e com o sistema financeiro como parceiros. Leo Pinheiro/Valor Formado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) em 1982, Kawall tem mestrado e doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No entanto, sua passagem por essa última instituição não faz dele um desenvolvimentista. Kawall, aliás, não é um economista tão fácil de se classificar. Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi), de quem Kawall foi aluno durante o doutorado, ele mescla bem uma visão a favor do controle dos gastos públicos com uma preocupação sobre a importância de juros baixos para o investimento. Gomes de Almeida conta ainda que seu ex-aluno é alguém sereno e ponderado. "Melhor nome para um cargo como esse, no qual se atua sob muita pressão, não há." Luiz Gonzaga Belluzzo, que também foi professor de Kawall na Unicamp, vê a mesma cautela, mas a considera um sinal de conservadorismo. "Ele sempre teve um viés ortodoxo, apesar de ter sido meu aluno", brinca o heterodoxo Belluzzo. Ele diz que Kawall é um economista competente, e sua escolha é um sinal de que Mantega vai dar continuidade à política fiscal austera. A mesma visão tem Mônica Baer, orientadora da tese de doutorado do novo secretário, intitulada "O financiamento da indústria e da infra-estrutura no Brasil: crédito de longo prazo e mercado de capitais". "Se o governo quisesse alguém para abrir a torneira do gasto público, com certeza não o teria chamado", diz a economista da MB Associados. Essas características são mais do que bem vistas pelo mercado. Para o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, Kawall "é um dos melhores economistas de sua geração". "Ele tem serenidade, bom senso e fará tudo o que estiver ao seu alcance para reduzir a volatilidade do mercado." O professor Antônio Corrêa de Lacerda considera o novo secretário do Tesouro um "pragmático", que tem como trunfos a carreira no mercado financeiro, uma vida acadêmica em que estudou o papel do financiamento de longo prazo e uma passagem por uma instituição pública como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os dois se conheceram na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, instituição da qual Kawall está licenciado. Luís Paulo Rosenberg, sócio-diretor da Rosenberg & Associados, vai na mesma linha: "Kawall tem coração de setor público e cabeça de setor privado". Ele é mais cauteloso, porém, ao ser questionado se sua escolha é garantia de uma política fiscal austera. "Acreditar que o secretário do Tesouro é capaz de segurar a voracidade gastadora do presidente é o mesmo que crer que um guarda com um apito consegue impedir o estouro de uma boiada", diz Rosenberg, ressalvando que não acredita num aumento explosivo dos gastos públicos. Se na parte fiscal Kawall veste o figurino ortodoxo, o mesmo não se pode dizer quanto à questão do papel do Estado no financiamento ao setor produtivo. Há algumas semanas, ele travou nas páginas do Valor um debate com o economista ultra-ortodoxo Cláudio Haddad sobre o BNDES, no qual rechaçou a idéia de que falta transparência nas operações da instituição e de que há subsídio em seus empréstimos. No fim do artigo publicado em 13 de março, ele escreveu: "O BNDES tem atuado em parceria e complementaridade com bancos e agentes de mercado. Não é por outro motivo que as críticas que recebe são em geral oriundas de setores do meio acadêmico (e não do mercado), que não raro abstraem as reais condições e imperfeições reinantes no nosso sistema financeiro".