Título: Lamy quer propostas de Brasil, EUA e UE
Autor: Assis Moreira e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Brasil, p. A5

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, vai hoje à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com uma clara mensagem: o Brasil "deverá aceitar" um corte nas tarifas industriais maior do que aceitou até agora, assim como, na área agrícola, os EUA precisam cortar mais subsídios domésticos, e a União Européia (UE) deve melhorar a oferta de redução tarifária. Sem as concessões nesse triângulo, não será possível a OMC alcançar uma "zona de aterrissagem até o final de abril", ou seja, um acordo inicial que permita a conclusão da Rodada Doha no fim de 2006. Magdalena Gutierrez/Valor Negociadores brasileiros insistem, porém, que as propostas feitas pela UE e EUA não justificam nenhum movimento ambicioso por parte do Brasil nas áreas industrial e de serviços. E consideram "equivocada" a sugestão de círculos comerciais, de que um acordo na área industrial poderia ser feito com base em fórmula com coeficiente 20, que cortaria alíquotas em mais de 65%. Na reunião ministerial de Londres, o Brasil indicou que poderia aceitar cortar além de 50% as tarifas de importação de produtos industriais. A maior alíquota, hoje de 35%, cairia para 23,9%, pelas simulações da OMC. Oficialmente, os brasileiros não confirmam. De fato, não houve proposta formal, mas aceno, como costuma ocorrer nesse tipo de encontro. O próprio Lamy, alegando "segredo", sai pela tangente. "Eles (os brasileiros) não me disseram isso", diz sorrindo. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, descartou ontem que a reunião da Rodada de Doha, no Rio, vá tomar decisões relevantes para a conclusão do acordo na OMC. "É um encontro informal que não vai decidir nada. O Brasil não tem mandato para negociar por outros países, mas o objetivo é explorar idéias e ver se elas podem ter curso em um ambiente mais amplo", disse Amorim, após a abertura da sessão plenária na 3 Reunião da Comissão Mista Trilateral do Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Desde Hong Kong, outros encontros informais já ocorreram. O diretor-geral da OMC acha que começa a aparecer a "fotografia" do que pode ser um acordo final. Negociadores não têm dúvidas de que Lamy levará para a reunião do Rio cenários para um "acordo possível" entre Brasil, EUA e UE. Não se trata de esboço de acordo, e sim "caminhos" para ajudar os países a chegar ao "clique" que Amorim diz estar faltando nas áreas agrícola e industrial. Lamy chega com suficiente material técnico para tentar convencer os ministros que, se eles se moverem de certa forma, ganham em contrapartidas em outras áreas e conduzem a alguma convergência. "Vai ser na base de se vocês fizerem fizerem isso, ganham então aquilo'', diz um conhecedor dos métodos de Lamy. No Rio de janeiro, oficialmente "nada vai ser decidido", para não melindrar os outros 145 países-membros que estão fora dessa discussão. Mesmo se isso não ocorrer, o diretor-geral da OMC não pensa "no momento" apresentar diretamente um esboço de acordo aos países, como fez o ex-diretor do Gatt, Arthur Dunkel durante a Rodada Uruguai (1986-1995). "Conversei muito com Dunkel e ele nunca falava bem de sua iniciativa", lembrou. Lamy indicou, na linguagem florida da diplomacia, que a proposta de uma cúpula de chefes de Estado e de governo, defendida pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, ao invés de ajudar pode é causar mais atraso nas atuais negociações para liberalizar o comércio global. Ontem, Brasil, Índia e África do Sul divulgaram um comunicado conjunto sobre a reunião, que será entregue hoje por Amorim ao comissário de comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson. No comunicado, os ministros do IBAS manifestaram preocupação sobre nova regulamentação da UE para produtos químicos, que pode afetar as exportações de países em desenvolvimento. "Amanhã (hoje) tratarei desse tema com Peter Mandelson e vou propor a ele que haja reunião, em Bruxelas, para discutir o assunto", disse Amorim. Amorim disse esperar que possa se chegar a um acordo ambicioso na rodada, e acrescentou: "Mas o pior acordo agora será melhor do que o melhor acordo que poderíamos ter fechado em Cancún (em 2003). Ele também defendeu que os países em desenvolvimento devem continuar a atuar juntos no G-20 e no grupo de produtos não agrícolas, o Nama 11, e coordenar posições.