Título: Remuneração racha cadeia sucroalcooleira
Autor: Mônica Scaramuzzo
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Agronegócios, p. B-9

Produtores de cana e usinas de açúcar e álcool estão em lados opostos no que diz respeito ao pagamento pela tonelada da matéria-prima. Os fornecedores da cana querem uma revisão do atual modelo de pagamento, o Consecana, e parte destes produtores propõe como alternativa receber em produto - açúcar e álcool ou preço equivalente - pela entrega da cana. As usinas não querem abrir mão do atual modelo, mas sinalizam concordar com a revisão desse sistema. Ao Valor, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, disse nesta quinta-feira que a proposta parece inteligente, uma vez que separa o açúcar do bagaço da cana. Rodrigues disse que o papel do governo não será de intervir neste processo, mas que está disposto a ouvir todos os lados para que a cadeia busque um entendimento. "Uma parte do setor não pode ganhar tudo [referindo-se às usinas] e outra ganhar pouco [referindo-se aos fornecedores]." Rodrigues concedeu a entrevista antes de mediar a reunião do setor sucroalcooleiro na Câmara Setorial do Açúcar e do Álcool, em São Paulo, onde a proposta da mudança do modelo Consecana esteve entre as mais importantes pautas do dia. A alternativa de recebimento em produto já está em teste na região de Araraquara, uma das principais regiões produtoras de São Paulo. José Carlos Bassanesi Teixeira, presidente da Associação dos Produtores de Cana de Araraquara, oficializou nesta quinta a proposta ao ministro. Ele explicou que as usinas Maringá e Santa Rita pagam em produto o equivalente a 1,4 sacas de açúcar por tonelada de cana, descontados os custos com frete e processamento da matéria-prima. Segundo Teixeira, os produtores receberam no último mês R$ 35, 6% mais que pagaria o modelo Consecana. O atual modelo de Araraquara conta com o apoio da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Ferplana), que discute a adaptação dessa forma de pagamento no resto do país. O atual modelo foi implantado em 1998, com o fim da desregulamentação do governo no setor. Segundo Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), o modelo Consecana é a "perfeita parceria" entre os agricultores e as indústrias. Para Padua, não há distorção no pagamento, considerando que 60% do total pago representa a receita média da safra de açúcar e álcool e os outros 40% significam o processamento da matéria-prima. Pelo modelo, o cálculo é feito com base no quilo médio da ATR (açúcar total recuperável). Esse índice, determinado mensalmente, leva em conta a qualidade da cana, o mix de produção das usinas, as perdas industriais e os preços alcançados pelo produto no mercado externo. O fornecedor recebe um adiantamento mensal e o ajuste final é calculado no encerramento da safra. Manoel Ortolan, presidente da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canaoeste), defendeu a reformulação do atual sistema, de maneira que remunere melhor os agricultores, mantendo a alternativa de os produtores possam negociar com as usinas um modelo que beneficie as duas partes. Um dos argumentos de que os produtores estão sendo prejudicados é de que os custos de produção de cana cresceram 40% nesta safra em comparação ao ciclo anterior, enquanto os preços do açúcar no mercado internacional subiram 61% no ano. Segundo Ortolan, a Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana) contratou uma consultoria para levantar os custos de produção de cana, açúcar e álcool. As usinas do Centro-Sul também contrataram uma consultoria independente para que em janeiro as duas empresas possam sinalizar um acordo comum. De acordo com Padua, da Unica, as consultorias poderão analisar juntas o que pode ser alterado no sistema Consecana. Na região Nordeste do país, o discurso das usinas está alinhado às indústrias do Estado de São Paulo. Segundo Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar), não há como atrelar o pagamento da cana ao produto. Cunha disse que o modelo Consecana pernambucano está pagando melhor que o modelo paulista. Para Pedro Robério Nogueira de Mello, presidente do Sindaçúcar de Alagoas, a alternativa dos produtores é um retrocesso nas negociações. "Voltaremos ao escambo", disse. Os fornecedores de cana dizem que não se beneficiam dos lucros obtidos pelas usinas com açúcar e álcool. "Queremos transformar o produto agrícola, que é a cana, em commodity. Com a cana, temos um só comprador, que é a usina. Com o açúcar, teremos vários compradores e teremos a liberdade de vender nosso produto quando bem entendermos", disse Antonio Celso Cavalcanti de Andrade, presidente da Ferplana. Cavalcanti e sua família são tradicionais produtores de cana da região Nordeste. A produção de sua família soma 130 mil toneladas, das quais 30 mil são em Pernambuco e 5 mil na Paraíba. Os 95 mil restantes são administrados pelo filho de Andrade em São Paulo, maior Estado produtor do país.