Título: Contrariar o FMI salvou a Argentina, diz Lavagna
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Internacional, p. A13

A recuperação da economia da Argentina só foi possível porque o país conseguiu agir de maneira independente, contrariando as recomendações feitas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). A avaliação foi feita pelo ex-ministro da Economia argentino Roberto Lavagna, que conduziu a política econômica do país entre abril de 2002 e novembro do ano passado. "Quando um país põe em prática uma política econômica porque manda o FMI, já perdeu metade dessa política", disse o ex-ministro na primeira aparição pública em seu país depois de deixar o cargo, em entrevista coletiva concedida anteontem a um grupo de jornalistas estrangeiros. Lavagna considerou que a medida mais decisiva de sua gestão foi ter retirado, em maio de 2002, um pedido de empréstimo junto ao FMI de cerca de US$ 25 bilhões. O então ministro, após enfrentar forte resistência do órgão para a concessão do crédito, decidiu desistir, mas disse ter informado ao Fundo que a partir daquele momento o poder de influência do organismo sobre a política econômica argentina seria reduzido. Ele considera que a decisão de não pedir mais dinheiro emprestado foi mais importante que o pagamento da dívida com o FMI, anunciado em dezembro, quando Lavagna já havia saído do governo. A partir daí, segundo Lavagna, a Argentina pôde levar em frente uma política econômica que priorizou o atendimento das necessidades domésticas em detrimento de seus compromissos internacionais, e o exemplo mais claro disso foi a reestruturação da dívida em default, com perdas de até 70% para os credores. "Os analistas e a direita diziam que nossa proposta aos credores teria de ter 'aceitabilidade', mas priorizamos a sustentabilidade da oferta", recordou o ex-ministro. "A partir do caso argentino esse conceito, de sustentabilidade, passou a ser discutido, os banqueiros não gostam mas têm de aceitar", disse Lavagna. Ele também qualificou de "impiedosa" e "agressiva" a cobertura da crise argentina feita pela imprensa internacional. "Por um lado, descreviam cenas dramáticas sobre a realidade argentina, e em seguida se exigia que o país pagasse as suas dívidas." O ex-ministro também considerou como mérito de sua gestão a criação do chamado Mecanismo de Adaptação Competitiva, para evitar "desequilíbrios" no comércio com o Brasil. Ele afirmou que o Brasil não tem responsabilidade pelo processo de desindustrialização da Aregentina iniciado nos anos 70 e agravado com o regime de conversibilidade, mas que não pode deixar de aceitar medidas para permitir que isso seja revertido. O objetivo do mecanismo, que prevê limitações ao comércio caso a produção de um dos sócios cause dano à indústria do outro, seria transmitir às empresas, "principalmente às multinacionais", a mensagem de que, se concentram sua produção em apenas um dos lados da fronteira, correm o risco de perder os benefícios da união aduaneira. Na entrevista, Lavagna não quis falar sobre a possibilidade de candidatar-se a algum cargo público, mas não descartou a hipótese. Ele é considerado um dos possíveis adversários do atual presidente, Néstor Kirchner, na eleição presidencial marcada para o ano que vem.