Título: CPMI dos Correios avançou pouco nas investigações
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Opinião, p. A14

O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios pode ser considerado frustrante como ponto final de uma crise que paralisou o governo e o Congresso por quase nove meses. Embora ele ainda seja sujeito a emendas, as conclusões das investigações estão lá e o que virá pela frente é um jogo político para colocar ou retirar culpas. A CPMI avançou muito pouco na obtenção de provas, tarefa que ficará ao sabor de incertos e arrastados inquéritos judiciais. A história de outras CPIs mostra que, quando não há culpas formadas por fatos, dificilmente os envolvidos são punidos, ou, quando o são, as penas são suaves. O excessivo grau de politização da CPMI prejudicou seu potencial ímpeto investigativo. É difícil que seu destino fosse diferente, pois tentava averiguar indícios de falcatruas cometidas pela maioria governista, espalhada por vários partidos. À minoria, formada especialmente pelo PSDB e PFL, já seria necessária uma dose de serenidade e seriedade muito grandes para contornar as fortes barreiras no Congresso às investigações. Ela deixou-se levar pelo açodamento, pelo eleitoralismo, expresso no tiro pela culatra de enfraquecer aos poucos e por muito tempo o presidente Lula, pelo flerte com o golpismo - como as sugestões de próceres tucanos de que Lula deveria acabar com a reeleição e desistir de novo mandato - e pela falta de objetividade. Dos partidos governistas não se podia esperar boa vontade ou colaboração, com honrosas e conhecidas exceções. Por outro lado, o PT, especialista em propor CPIs para investigar irregularidades alheias, revelou-se à altura do pior fisiologismo e nivelou-se aos demais partidos clientelistas que campeiam no Congresso. Uma análise parcial das 1.839 páginas do relatório revela dois pontos vitais. Um deles é a conclusão de que o mensalão existiu, e que vários partidos receberam dinheiro ilegal para se perfilar ao lado do governo em votações no Congresso. Há indícios críveis de que a versão do caixa dois, combinada pelo governo, e que encontrou seu bode expiatório no petista Delubio Soares, foi uma farsa e provas de que pelo menos 18 deputados receberam dinheiro de origem escusa do empresário Marcos Valério. Nenhum desses deputados teve seu sigilo bancário quebrado, mas a CPMI encontrou meios de avançar ao obter acesso à conta de Valério. Esta é uma das amargas ironias da CPMI - os 18 deputados por ela indiciados estão sendo inocentados pelo Congresso. Dos 13 julgados, só três foram punidos. Pouco se avançou na origem do dinheiro escuso. A CPMI aponta que os empréstimos a Valério feitos pelo BMG e Banco Rural não existiram e que recursos do Estado iam parar em mãos indevidas. Havia um esquema de corrupção que passava pelos Correios, IRB, alguns fundos de pensão e por contratos publicitários firmados pelo governo. As responsabilidades são atribuídas a alguns dirigentes destas instituições, mas sabe-se hoje muito pouco a mais do que se sabia há seis meses sobre o assunto. No terreno das hipóteses, fica a de que um esquema para angariar apoios ao governo foi nutrido pelo loteamento político da máquina pública a aliados e por arregimentadores de facilidades como Marcos Valério. Esse esquema teria começado na campanha eleitoral e serviria à manutenção do poder depois. O relatório da CPMI é enfraquecido pelo reconhecimento de sua incapacidade em provar a compra de votos, tarefa que foi da CPI do Mensalão, concluída sem relatório final - outra herança do bloqueio governista e da incompetência oposicionista. Outra pista importante da investigação que não pôde ser seguida até o fim foi a do pagamento de contas no exterior para o publicitário Duda Mendonça, decisiva para dirimir a dúvida sobre se houve ou não dinheiro de caixa dois na própria campanha presidencial. Em sua parte mais relevante, o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) poupa o presidente Lula e afirma que não existem fatos que comprovem que ele foi omisso no caso do mensalão. Essa será a próxima, e a última, batalha da CPMI dos Correios. Com os dados que tem em mãos, fruto de seu próprio trabalho, a oposição tem poucos elementos para incriminar o presidente. Se este ponto do relatório for aprovado, o presidente Lula sai definitivamente ileso do maior escândalo de seu governo e ganha, com isso, argumentos de peso para a campanha eleitoral, onde as denúncias de corrupção terão papel relevante.