Título: Mercado renova lua-de-mel com Lula
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Finanças, p. C2

Nem a forte alta dos juros americanos de 10 anos conseguiu estragar a festa instaurada ontem no mercado depois que o diretor de política econômica do Banco Central, Afonso Bevilaqua, garantiu que, por se sentir "confortável" no cargo, não pretende deixá-lo. Para os bancos, a permanência no BC do ideólogo-chefe do conservadorismo que permeia o Copom é mais fundamental para o exercício da autonomia do que a do próprio Henrique Meirelles. A presença do professor da PUC-Rio aciona um escudo protetor contra influências políticas de fora. Entre segunda e quarta-feira, a maior parte da aflição dos mercados, sobretudo o de câmbio, derivava da suspeita de que o "núcleo duro" do Copom - formado por Bevilaqua e os diretores de assuntos internacionais, Alexandre Schwartsman, e de política monetária, Rodrigo da Rocha Azevedo - poderia abandonar o ministro Meirelles. Todos continuarão.

-------------------------------------------------------------------------------- Após três altas, dólar cai 1,12%, a R$ 2,1890 --------------------------------------------------------------------------------

A confirmação oficial veio às 17 horas, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a nomeação de Carlos Kawall para o Tesouro. Kawall, um economista sério e respeitado pelo mercado, estava sendo guardado para ocupar o BC caso fosse criado um perigoso vazio no comando monetário do país. Com o "fico" de Bevilaqua sacramentado, o mercado já consegue olhar para Mantega com um pouco menos de antipatia. O alívio conseguiu estimular uma visão edulcorada à alta dos juros dos treasuries de 10 anos. Eles avançaram de 4,80% para 4,88%. Sinal de que o capital externo pode abandonar o Brasil? Nada disso, segundo os operadores agora reconciliados com o governo Lula. Já que o Fed Fund - juro básico da economia americana - irá subir para 5% na reunião do dia 10 de maio, é absolutamente natural que o papel de 10 anos migre para a mesma faixa para não deixar a curva excessivamente negativa. Esta análise conferiu alguma solidez técnica à comemoração pró-Bevilaqua, permitindo ao dólar retomar o viés de baixa após três altas consecutivas. A moeda fechou em queda de 1,12%, cotada a R$ 2,1890, depois de acumular valorização de 2,79% apenas desde segunda-feira. O corretor de câmbio Sidney Nehme, da NGO, acredita que logo o dólar irá testar os R$ 2,15. Refeito do susto, o mercado monetário retomou com satisfação seus jogos matemáticos, ontem reforçados pelo Relatório Trimestral de Inflação do BC. As novidades foram boas: a Selic pode cair até 14,5% sem comprometer a meta de inflação de 4,5%. O contrato de CDI negociado para a virada do semestre no mercado futuro da BM&F cedeu de 15,71% para 15,69%. A virada do ano recuou de 15,06% para 14,99%. O swap de um ano caiu de 14,95% para 14,85%. E o juro real voltou a beliscar o nível de um dígito: caiu a 10,09%. As quedas poderiam ser até mais generosas, já que o IGP-M fechado de março mostrou deflação maior do que a esperada. Enquanto os analistas previam uma queda média de 0,08%, o índice foi negativo em 0,23%. Mas a duração da nova lua-de-mel do mercado com o governo Lula dependerá dos movimentos que o capital estrangeiro irá promover daqui para a frente. Juro americano na casa de 5% irá requerer alterações adicionais de portfólio.