Título: Divergência emperra crédito ao setor privado
Autor: Ricardo Balthazar, Alex Ribeiro e Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Finanças, p. C5

O Brasil e os outros 46 países que controlam o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estão entusiasmados com a idéia de aumentar o volume de recursos que a instituição empresta a projetos do setor privado. Mas são intensas as discussões dentro da organização a respeito das condições em que isso será feito e do risco que cada sócio quer assumir. A ampliação da atuação do banco e a remoção de alguns entraves burocráticos que impedem o aumento dos créditos ao setor privado são os principais assuntos da 47ª reunião anual da assembléia de governadores do BID, que começa segunda-feira em Belo Horizonte e vai até quarta-feira. A assembléia é um organismo de caráter político que revisa as políticas e diretrizes do banco anualmente. O departamento do BID que cuida do setor privado aprovou US$ 8,1 bilhões em empréstimos e garantias desde sua criação, em 1994. É pouco perto do total de US$ 137 bilhões desembolsados desde sua criação, em 1959. As regras do banco permitem que apenas 10% do seu capital seja aplicado em operações com o setor privado. Mas, até agora, só 3% dos recursos tiveram esse destino. Na reunião do ano passado, os sócios do BID decidiram ampliar de US$ 75 milhões para US$ 200 milhões os limites para empréstimos ao setor privado e criaram novos instrumentos financeiros para isso. Mas, a burocracia da instituição se move lentamente e há muita frustração com os resultados alcançados. "Pouca coisa foi implementada até agora", disse o secretário de assuntos internacionais do Ministério do Planejamento, José Carlos Miranda. Atualmente, o BID só pode conceder crédito a tomadores do setor privado com projetos de infra-estrutura e operações de financiamento do comércio exterior. O Brasil quer ampliar esse leque, incluindo o agronegócio. Sócios como os países do Caribe querem acrescentar projetos turísticos. Os Estados Unidos querem que os empréstimos para o setor privado sejam direcionados prioritariamente a pequenas e médias empresas. "Precisamos focar em empresas pequenas e médias porque é aí que está a criação de emprego. Mas o pacote que o BID apresentou não toca muito nessa questão", disse ontem o subsecretário do Tesouro para assuntos internacionais, Clay Lowery. "Precisamos dar mais oportunidades àqueles que hoje têm menos, e achamos que isso pode ser feito com crédito a pequenas empresas e não necessariamente por meio de um grande projeto de infra-estrutura". Outro problema de emprestar ao setor privado é o risco que pode criar para um banco acostumado a tomar e emprestar dinheiro barato por causa de sua boa reputação na praça. Os Estados Unidos, que são donos de 30% do capital do BID e não podem tomar empréstimos da instituição, também acham que ela só deve ampliar seu compromisso com o setor privado se estiver cercada de garantias. Nas discussões preparatórias para a assembléia de governadores, representantes dos EUA têm manifestado preocupação com a necessidade de aprimorar a capacidade da burocracia do BID de analisar riscos de crédito e defendido restrições. "O banco precisa de uma mudança cultural se quiser se envolver mais com o setor privado", avalia o representante do Brasil na diretoria executiva do BID, Rogério Studart. Segundo o subsecretário do Tesouro, os Estados Unidos já fizeram ao BID uma proposta de perdão da dívida de países mais pobres, atendendo a um pedido feito pelo presidente George Bush durante sua visita ao Brasil, em novembro. Os EUA esperam que o plano de perdão da dívida seja discutido durante a reunião. "Sabemos que o BID tem uma estrutura financeira muito diferente, por exemplo, da do Banco Mundial e FMI, então será difícil acertar os detalhes técnicos. Não é algo que seja fechado em dois ou três meses", disse Lowery. O subsecretário do Tesouro chegará ao Brasil amanhã, participará da reunião do BID no fim de semana e depois visitará São Paulo.