Título: Justiça permite FGTS fora do SFH
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 31/03/2006, Legislação & Tributos, p. E1
Os trabalhadores que são barrados pela Caixa Econômica Federal (CEF) ao tentarem usar o saldo existente no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quitar ou amortizar dívidas de financiamento imobiliário fora do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) têm conseguido na Justiça a liberação dos recursos. A jurisprudência tem sido amplamente favorável até mesmo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que no último ano firmou seu entendimento favorável aos trabalhadores. O tema se tornou controverso porque o entendimento da Lei nº 8.036, de 1990, pelo conselho curador do FGTS é de que os recursos do fundo só podem ser usados para a aquisição do imóvel fora do SFH e que não há previsão legal do uso dos recursos na quitação ou amortização de financiamento. Com base nisso, a CEF automaticamente rejeita os pedidos. A advogada Márcia das Neves Padulla, do escritório Gouveia e Padulla Advogados, entretanto, conta que conseguiu uma série de liminares na Justiça Federal de São Paulo alegando que não há porque negar o uso do FGTS se, mesmo fora do SFH, os trabalhadores se enquadram nas regras. Segundo explica o diretor executivo do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais (Secovi-SP), Celso Petrucci, os financiamentos do SFH são feitos com base nos recursos captados na caderneta de poupança e também no próprio FGTS. Para se enquadrar no sistema existe uma série de normas, como o valor máximo do imóvel de R$ 350 mil. Pelo SFH, o mutuário pode usar livremente os recursos do fundo, seja para dar de entrada no financiamento ou, depois, para amortizar dívidas, respeitando os prazos para a movimentação. Fora do SFH, a legislação permite o uso do FGTS naquelas operações em que todas as premissas do sistema sejam cumpridas para a aquisição. E é neste ponto que surgem as diferenças de interpretação do artigo 20, inciso VII da Lei nº 8.036, que regula o uso do FGTS. Se por um lado a Caixa entende que aquisição é somente a parcela inicial da compra do imóvel, a Justiça vem entendendo diferente. O dispositivo legal diz que a conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada para pagamento total ou parcial do preço de aquisição observadas as seguintes condições: o mutuário deverá contar com o mínimo de três anos de trabalho sob o regime do FGTS e que seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH. Em uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, a desembargadora federal Cecilia Mello entendeu que a operação de financiamento, para possibilitar o saque, apenas deve atender às condições vigentes para o SFH e não impõe que tal operação esteja, necessariamente, inserida neste sistema. Márcia Padulla conta que a CEF costuma rejeitar o uso do saldo existente no fundo alegando que o mutuário não atende a essas condições porque ele já possui uma escritura, ou seja, já possui um imóvel. Isso porque, fora do SFH, ao fazer o financiamento diretamente com a construtora, por exemplo, o trabalhador recebe uma escritura e o imóvel fica como garantia do empréstimo. "A Caixa alega que o SFH não permite financiamento de segundo imóvel e entende que a liberação do fundo para quitar um imóvel do qual o trabalhador já possui uma escritura é como pedir os recurso para comprar um segundo imóvel", diz Márcia. Em suas decisões, os ministros do STJ dizem que o rol de hipóteses de liberação do fundo previstos no artigo 20 não é taxativo, "podendo ser deferido o levantamento em hipóteses excepcionais para construção ou quitação da casa própria fora do SFH". Além disso, o fundo pode ser liberado também em caso de inadimplência do trabalhador que não consegue honrar as prestações financiadas. De acordo com o advogado Cláudio Antelo, o entendimento dos ministros é de que se o FGTS já é usado pelo governo como "funding" para a habitação, há há porque o trabalhador não pode fazer uso do dinheiro que lhe pertence para quitar dívidas e ter sua própria moradia. Para o superintendente geral da Associação Brasileira de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Carlos Eduardo Duarte Fleury, essas decisões vão totalmente contra a lei. Já o diretor executivo do Secovi acredita que provavelmente estas decisões serão até mesmo derrubadas no Supremo Tribunal Federal (STF). A Caixa informou que apenas executa determinações do conselho curador do FGTS, e o conselho disse apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que segue o que está determinado na lei.