Título: Países na OMC querem explicações sobre financiamentos do BNDES
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2004, Brasil, p. A-2

O Brasil terá sua política comercial submetida a um rigoroso exame hoje e quarta-feira pelos outros 147 países membros da Organização Mundial de Comércio (OMC), em Genebra. Os Estados Unidos, União Européia (UE) e outros parceiros querem esclarecer, por exemplo, se as condições de financiamento do BNDES-Exim e do Finame vinculadas a 60% de conteúdo local são compatíveis com as regras da OMC. Esse exame, que seria um exercício banal em outras ocasiões, desta vez atrai mais as atenções dos outros parceiros pelo perfil recente do país: certa proeminência nas negociações da Rodada de Doha, exportações em persistente alta e ambição do governo Lula de definir uma nova geografia do comércio global. O Brasil é visto como um país em desenvolvimento mais avançado, o que acarreta dois tipos de pressão: a primeira, para abrir mais seu mercado e permitir concorrência externa a setores sensíveis de sua indústria e de serviços. E a segunda, para aceitar não usar flexibilidades que existem para outras nações de menor desenvolvimento nos acordos comerciais. A mensagem geral do governo de Luiz Inácio Lula da Silva na OMC será que, apesar de crises nos últimos quatro anos, o país não caiu na tentação do protecionismo. E destacará suas intenções gerais, como na área social. O exame na OMC, que ocorre a cada quatro anos, não é condenatório. É uma radiografia da maneira como o Brasil está negociando com o resto do mundo. Se um país achar que não está bom, pode contestar mais tarde o Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias. É por isso que negociadores de diferentes nações insistem que o termo "questionamento" é mal aconselhado para o exercício que começa hoje, porque isso tem mais a ver com disputa. Preferem falar de "pedidos de esclarecimentos" no estágio atual. Cada país envia com antecipação ao Brasil suas listas de questões, totalizando cerca de 300. Elas são feitas com base no relatório do secretariado da OMC. O texto diz, por exemplo, que a manutenção de altas tarifas para determinadas importações dificulta o acesso do consumidor e do produtor brasileiro a alguns dos produtos mais competitivos do planeta. Além disso, o relatório aponta que o financiamento do BNDES-Exim (comércio exterior) e do Finame (aquisição de máquinas e equipamentos) estão vinculados a conteúdo nacional. O documento não faz julgamentos, mas chamou a atenção dos outros países. Pelos Acordos de Subsídios e de TRIMS (Medidas de investimento relacionadas ao Comércio), um país fere as regras se promover o crescimento de certas indústrias impondo exigências de desempenho exportador ou conteúdo local. No caso dos dois programas do BNDES, as condições de financiamento, disponíveis na página do banco na Internet, estabelecem taxa diferenciada: numa operação com menos de 60% de conteúdo local, a taxa de juros é proporcional ao índice de nacionalização. Os parceiros querem saber como o Brasil pode mostrar que não se trata de um subsídio (benefício às empresas). Uma resposta pode ser que as condições de financiamento do BNDES são iguais ao que a empresa teria em outro banco, ou seja, não receberia vantagem. A conclusão que o governo Lula pode tirar de primeiro exame de sua política comercial é que maior proeminência implica mais responsabilidade. E pode custar mais caro do que se previa.