Título: Mão-de-obra e insumo importado garantem lucro na exportação
Autor: Raquel Landim e Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Brasil, p. A3

Tristeza de uns, alegria de outros. O velho ditado popular reflete os distintos impactos do dólar barato nos setores exportadores da economia brasileira. Enquanto fabricantes de remédios e celulares aproveitam a redução de custos e planejam exportar mais, empresas de roupas, calçadistas e autopeças fazem as contas do prejuízo. Carol Carquejeiro/ Valor Variáveis microeconômicas explicam por que o câmbio afeta as empresas de forma diferente. Primeiro, a quantidade de insumos importados na composição das mercadorias. Segundo, o peso da mão-de-obra versus o nível de utilização de tecnologia em cada setor. Terceiro, as vantagens tributárias. A atual legislação de PIS/Cofins favorece as empresas que agregam pouco valor aos produtos. "Quem importa bastante e é intensivo em capital, e não em trabalho, consegue agüentar mais as conseqüências do câmbio valorizado", diz o economista-chefe da MCM Consultores, Celso Toledo. Bráulio Borges, da LCA Consultores, reforça a tese de que empresas exportadoras que importam muito e são pouco intensivas em mão-de-obra convivem razoavelmente com o dólar barato. O câmbio valorizado reduz os preços dos insumos comprados no exterior. Quem emprega pouco também é menos afetado pelo dólar. As empresas exportadoras recebem a receita em dólares, mas pagam os trabalhadores em reais. Exemplo típico são as companhias do segmento de eletroeletrônicos, principalmente celulares. O coeficiente de insumos importados nesse produto chega até a 90%. Segundo Borges, o Brasil é praticamente um "montador" de produtos eletroeletrônicos, fabricando pouca coisa aqui. A indústria farmacêutica também não tem problemas com o dólar barato, diz Borges, até porque exporta pouco. Em 2005, o setor de equipamentos eletroeletrônicos aumentou em 104% a quantidade exportada, apesar da queda de 10% no preço e de 28,1% na rentabilidade das exportações. Mas os custos desse setor cresceram apenas 3,6%, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). O desempenho do setor de madeira e mobiliário foi diferente. A quantidade exportada caiu 5,2% no ano, apesar da alta de 6,7% nos preços. A rentabilidade das exportações desse setor caiu 17,8% e os custos subiram 8,3%. "Para a indústria farmacêutica, o câmbio atual é positivo, porque trata-se de um setor importador", explica Nelson Mussolini, diretor-corporativo da Novartis. Ele diz que, enquanto mão-de-obra e embalagem sobem, a companhia é favorecida pelo dólar, já que o peso dos insumos importados varia entre 40% e 60% do custo no setor. Em 2005, a Novartis exportou R$ 40 milhões e importou R$ 510 milhões. Mas a empresa faz planos ambiciosos de "zerar essa conta" até 2010, diz o executivo. Para isso, está investindo R$ 150 milhões para transformar sua fábrica, em Taboão da Serra (SP), em plataforma de exportação de medicamentos genéricos. "Um investimento desse vulto não considera o câmbio como fator primordial. O Brasil possui estabilidade interna, que é o mais importante para atrair capital", afirma Mussolini. A Eli Lilly fez seu primeiro embarque de medicamentos em dezembro. Em dois meses, exportou US$ 2 milhões. De acordo com o diretor de manufatura da empresa, Cláudio Sombini, a exportação vai representar o equivalente a 10% da venda local dos três novos produtos da empresa. A empresa investiu US$ 10 milhões na nova fábrica. "A exportação é um fator importante para viabilizar o investimento local, porque reduz a capacidade ociosa da fábrica", conta Sombini. Ele afirma que a empresa decidiu investir no Brasil como plataforma de exportação para aproveitar as vantagens tarifárias do Mercosul. Outro fator importante é o "know-how" da unidade brasileira. A Hewlett-Packard fabrica produtos com diferentes patamares de uso de insumos importados. Em alguns modelos de impressoras, o conteúdo local chega a 65%. Nos computadores pessoais e servidores, o índice de nacionalização é bem inferior. "Nesses casos, há um hedge natural no câmbio", diz Hugo Valério, diretor de assuntos estratégicos da HP. A companhia exporta entre 30% e 35% das impressoras que produz. Entre os servidores, esse percentual chega a 50% ou até 60%. As impressoras, no entanto, representam fatia maior da exportação total da empresa. "Ainda vale a pena investir no Brasil para exportar", diz Valério. Os setores que sentem menos os efeitos negativos do câmbio também são os que menos contribuem para o superávit no comércio exterior. O setor eletroeletrônico encerrou 2005 com saldo negativo de US$ 7,4 bilhões, depois de importar US$ 15,1 bilhões. Já no setor farmacêutico, o déficit ficou em US$ 1,5 bilhão, para o que contribuiu a baixa exportação do setor. No outro extremo da produção, estão as empresas que compram poucos insumos do exterior e usam mão-de-obra intensiva, como calçadistas e móveis. Como importam pouco, não conseguem compensar parte da perda de rentabilidade nas exportações com uma queda nos custos de produção, afirma Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados. Estes setores, ao contrário dos importadores líquidos, ajudam muito o saldo comercial. O segmento de madeira e mobiliário teve superávit de US$ 2,5 bilhões em 2005 e o calçados contribuiu com US$ 1,8 bilhão, já descontadas as importações do segmento. No setor têxtil, a mão-de-obra é intensiva na confecção, mas não em tecelagem. Mas todo o setor importa pouco e, por isso, sofre com o dólar barato. Para piorar, as companhias têxteis e calçadistas têm como maiores concorrentes as empresas chinesas, que levam vantagem tanto no câmbio desvalorizado, quanto nos baixos salários. Segundo Thaís, nesse cenário é inevitável que as empresas procurem aumentar as importações, trocando fornecedores locais por estrangeiros. Companhias que decidiram comprar uma nova máquina para ampliar a capacidade de produção têm recorrido com mais freqüência à importação de bens de capital, avalia Thaís. Nos 12 meses terminados em janeiro, por exemplo, a produção doméstica de bens de capital aumentou apenas 3,6%, enquanto as compras externas cresceram 14,6%. Borges, da LCA Consultores, diz que, no setor automotivo, as companhias encontraram uma forma de atenuar o problema: elevar a exportação de carros desmontados (CKD). O objetivo é reduzir o impacto do peso da mão-de-obra sobre o produto. Números da Anfavea, a associação das montadoras, mostram que, em fevereiro, as vendas externas de veículos desmontados cresceram 25,7% em relação a janeiro. No mesmo período, os embarques de carros montados aumentaram 18,9%. No primeiro bimestre, as exportações de CKD avançaram 12,8% ante igual período de 2005, pouco acima dos 10,5% das vendas de carros montados. A Embraer, uma das maiores exportadoras do país, foge do cenário explicitado acima. A empresa não está conseguindo tirar vantagem do dólar barato, apesar de importar a maior parte de seus insumos. A companhia sofre duplamente com o dólar barato. Pedro Galdi, analista de investimentos da ABN Real Corretora, explica que o câmbio prejudica o faturamento da Embraer quando convertido para reais, já que a empresa exporta quase tudo que produz, recebendo em dólares. Mas a Embraer também perde na compra dos insumos. A companhia está entregando novos modelos de aviões e, por isso, ampliou muito o volume de estoques. Segundo o balanço da empresa, o nível de estoques subiu de R$ 2,8 bilhões em 2002 para R$ 4 bilhões em 2005. Quando a Embraer chega a utilizar esses estoques, o dólar já perdeu valor. "O câmbio desequilibra o ciclo de custos", diz Galdi. A empresa, procurada, não quis dar falar sobre os efeitos do câmbio sobre sua operação.