Título: Combater pobreza e fortalecer instituições são a chave
Autor: Leandro Modé
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Especial/Fórum Econômico Mundial, p. A6

A onda esquerdista que avança sobre boa parte da América Latina mostra que a população da região anseia por mais igualdade social. A opinião é de Daniel Kaufmann, diretor de Programas Globais do Instituto do Banco Mundial (Bird). "Talvez o modelo convencional (Consenso de Washington) não tenha enfocado esse ponto", afirmou ele ao Valor. Atualmente, Argentina, Brasil, Chile, Venezuela, Peru, Bolívia e Uruguai, entre outros países, são governados por políticos de esquerda. No México, o também esquerdista Andrés Manoel López Obrador lidera as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de julho. "Mas é preciso ver além das aparências. Esses governantes são muito diferentes entre si na condução das políticas econômica e internacional", alertou Kaufmann. O economista chileno será um dos palestrantes do Fórum Econômico Mundial. Ele fará uma apresentação num painel que analisará o impacto do crescimento da China sobre a América Latina. A esse respeito, Kaufmann tem posições firmes e, até certo ponto, polêmicas. "A emersão de uma economia tão dinâmica como a chinesa é ótima para a região", disse. De acordo com ele, as potenciais ameaças do gigante asiático sobre os países latino-americanos não devem ser superestimadas. "Concorrência é sempre saudável." Daniel Kaufmann enxerga dois grandes desafios para América Latina neste momento. O primeiro diz respeito a uma boa governança pública. O segundo está relacionado ao controle da corrupção. Segundo sua análise, qualquer objetivo que se queira atingir - seja a redução da desigualdade social ou o desenvolvimento econômico - depende de avanços nesses dois pontos-chave. "O diferencial hoje é um Estado moderno que tenha entrado no trem da globalização com boas políticas econômicas e boas instituições." O economista do Bird observa que qualquer avaliação sobre um continente torna-se difícil por causa da heterogeneidade entre os países. Kaufmann cita a própria desigualdade na América Latina como exemplo. "Se for levada em conta apenas a média da região, chegaremos à conclusão de que pouco se fez nos últimos anos", afirmou. "Mas há alguns bons exemplos de evolução." Ele cita os casos da Costa Rica e do Chile. No país andino, 45% da população vivia abaixo da linha da pobreza quando o general Augusto Pinochet deixou o governo, em 1990. De lá para cá, esse percentual despencou, e hoje está em 17%. E o Brasil? "Tem tomado iniciativas importantes, assim como o México", disse. Kaufmann lembra que a distribuição de renda não deve ser o único o foco dos governos. "O sucesso nessa área depende do crescimento econômico, que, por sua vez, depende de competitividade, que depende, entre outros fatores, da qualidade das instituições públicas." Guilhermo Perry, o economista-chefe do Bird para América Latina, que também participará do fórum, concorda com Kaufmann sobre o registro de alguns avanços sociais importantes na região. Ele acredita, porém, que há muito a ser feito e que os países deveriam aproveitar para aprofundar suas reformas e melhorar condições estruturais agora que estão lucrando com o ciclo de alta das commodities minerais. "Os bons tempos não duram para sempre", afirmou. Perry é um dos autores de um estudo denominado "Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos Virtuoso e Vicioso". Nele, conclui que reduzir em apenas 1% o índice de desigualdade Gini leva a uma queda na pobreza equivalente à provocada por um crescimento do PIB de 2,3%. Uma redução de 10% no nível total de pobreza proporciona um crescimento econômico de 1% do PIB e no sentido inverso, uma elevação de 10% no nível de pobreza, além de reduzir o crescimento em 1 ponto percentual, reduz o investimento em até 8 pontos do PIB. O estudo será debatido no painel "Riscos e oportunidades para o desenvolvimento regional", na quarta-feira. Segundo a pesquisa, a América Latina só conseguirá competir com a China se combater a pobreza de modo mais agressivo. "Algumas políticas públicas podem aumentar o crescimento, mas aumentam a desigualdade também", afirma Perry. O bom momento do mercado internacional, que tem demandado uma maior quantidade de minérios latino-americanos, precisa servir para que a região se mantenha atraente nos próximos anos, avalia Perry. Isso dependerá de três fatores. O primeiro é que os países reduzam ainda mais suas vulnerabilidades financeiras, atacando fortemente a dívida pública, por exemplo, em especial dívida atrelada a moeda estrangeira - um quesito em que o Brasil está indo muito bem. O segundo é melhorar ainda mais o ambiente para investimentos - o que se costuma chamar de reformas microeconômicas e de infra-estrutura. O terceiro grupo de medidas importantes, segundo o economista do Bird, é justamente assegurar que se melhore mais rapidamente a situação dos mais pobres da sociedade. Que haja esforços dos governos para garantir que esses investimentos de infra-estrutura cheguem às camadas mais carentes da população. "Progresso nessas três áreas garantirá que a região continue sendo atraente no longo prazo", afirma Guilhermo Perry. (Leandro Modé e Marília de Camargo Cesar)