Título: Avanço da Ásia inquieta a América Latina
Autor: Leandro Modé
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Especial/Fórum Econômico Mundial, p. A6

Depois de ficar à sombra da China e da Índia na reunião deste início de ano do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, a América Latina estará, pelo menos nesta semana, no centro das atenções dos debates entre lideranças políticas internacionais, empresários e representantes da sociedade civil. Nas próximas quarta e quinta-feiras, a cidade de São Paulo será sede de uma reunião especial do fórum, que vai tratar exclusivamente da região. Divulgação Ged Davies: entre os desafios estão eventual desaceleração da economia mundial e uma brusca mudança das cotações das principais commodities agrícolas Para discutir o tema principal do evento - "Construindo uma América Latina mais forte na economia global" - são esperadas cerca de 300 pessoas. Entre os palestrantes, destacam-se o primeiro-ministro do Peru, Pedro Paulo Kuczynski, o diretor de Programas Globais do Instituto do Banco Mundial (Bird), Daniel Kaufmann, o diretor do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Anoop Singh, e o economista americano John Williamson, um dos idealizadores do chamado Consenso de Washington. No time de brasileiros, estão previstas as participações de empresários como Jorge Gerdau Johannpeter e Roberto Teixeira da Costa. Também deve participar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A organização definiu o que chama de quatro pilares para nortear as discussões: gerenciamento dos impactos de riscos globais e regionais; continuidade da agenda de integração; reavaliação do sistema de investimento e melhora da competitividade. Para os idealizadores do Fórum Econômico Mundial, apesar do expressivo crescimento registrado em 2004 e em 2005, a América Latina ainda tem muitas vulnerabilidades. "A questão é como a região se comportaria diante de alguns desafios potenciais que temos à frente", disse ao Valor Ged Davis, diretor-gerente do World Economic Forum (WEF). Entre esses desafios, ele inclui a eventual desaceleração da economia mundial, uma brusca mudança das cotações das principais commodities agrícolas exportadas pelos países latino-americanos e a escalada de alta dos preços do petróleo. No ano passado, a expansão média do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, segundo estimativa do Banco Mundial, foi de 4,5%, inferior aos 5,8% de 2004. Como se sabe, o desempenho do Brasil ficou abaixo da média nos dois períodos - o crescimento do PIB alcançou 4,9% e 2,3%, respectivamente. A China, por sua vez, cresceu 10,1% em 2004 e 9,9% em 2005. A Índia avançou 6,4% e 6,7% no ano passado, segundo estimativas do FMI. Para se ter uma idéia, o PIB chinês, sozinho, supera o da América Latina inteira - US$ 2,3 trilhões, ante US$ 1,7 trilhão. Com números tão díspares, fica fácil entender a perda de espaço da região na cena mundial. Não à toa, o assunto escolhido para abrir o encontro foi "A emersão da China e seu impacto sobre a América Latina". Para muitos analistas, ao mesmo tempo em que oferece grandes oportunidades de negócios, o gigante asiático é também uma ameaça, sobretudo por conta de suas vantagens competitivas na fabricação de bens manufaturados. Grande parte do empresariado brasileiro ainda reclama da decisão do governo Lula de reconhecer a China como economia de mercado. Na semana passada, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou uma nota criticando novamente a medida. Em discurso para empresários italianos na federação, Lula rebateu e argumentou que a China deve ser envolvida nas discussões no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). "Se a deixarmos de lado, ela vai ocupando os espaços sem pedir licença", afirmou. O secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Renato Amorim, defende uma mudança no foco dessa discussão. "Se nos preocupamos muito com proteção, esquecemos das estratégias, que são necessárias para a América Latina melhorar sua competitividade", afirmou. O executivo argumenta que a perda de competitividade é o que realmente interessa. "A Ásia emergente pode fazer com que a América Latina perca seu lugar na economia mundial." Um avanço dessa situação passa, na opinião de Amorim, por mudanças em âmbito público e privado. No setor público, ele cita os investimentos em infra-estrutura e a reforma tributária. No privado, as alterações dizem respeito à mentalidade dos agentes. "A globalização veio para ficar. Para aproveitá-la, é preciso capacitar-se, com avanços na educação e em infra-estrutura, por exemplo." Amorim viveu quatro anos na China, época em que trabalhou como secretário da Embaixada do Brasil em Pequim. Atualmente, viaja de quatro a seis vezes por ano ao país por conta de suas funções no CEBC. Ele será um dos palestrantes do painel de abertura do fórum. Outro que participará desse debate é o economista Mauricio Mesquita Moreira, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Recentemente, a organização preparou um estudo que analisa justamente as relações entre América Latina e China. No fim de abril, o trabalho será publicado em livro pela Harvard University Press. De acordo com Moreira, que participou das pesquisas, a região está diante de inúmeras oportunidades mas também de ameaças. As primeiras estão relacionadas, principalmente, à exportação, pelos países latino-americanos, de seus recursos naturais. "O problema é que a China já impôs uma série de barreiras. O Brasil consegue exportar soja, mas não óleo de soja. O Chile vende cobre, mas a China exige fazer o refino", apontou Moreira. Para ele, a região deve, dentro do possível, barganhar melhores condições com o gigante comunista. Essas observações não o impedem de enxergar que a enorme demanda chinesa por recursos latino-americanos contribuiu para o avanço dos indicadores macroeconômicos da região. "Um dos benefícios claros foi a virada no balanço de pagamentos desses países." Moreira divide em duas partes as ameaças advindas da emersão chinesa. A primeira diz respeito à China como competidora dos países da América Latina nas exportações mundiais. "É impossível concorrermos com ela nos produtos intensivos em mão-de-obra", alertou. A saída para os latino-americanos, segundo ele, seria diversificar a produção para setores com maior complexidade tecnológica. Outra alternativa seria a exploração das vantagens geográficas da região. "Nesse caso, os países poderiam priorizar a produção de bens com entrega imediata, como flores", exemplificou. Segundo o economista, nessa categoria encaixam-se também semicondutores e outros insumos eletrônicos associados à montagem de computadores sob encomenda. A outra vertente de ameaças diz respeito às importações de manufaturados. O estudo do BID revela que não é algo que preocupe no curto prazo, especialmente no caso brasileiro. Atualmente, menos de 1% do consumo de bens manufaturados no Brasil é suprido por produtos chineses. Na América Latina, esse percentual sobe para quase 8%, e nos Estados Unidos já alcança 18%. "Há um significativo potencial de expansão na região, principalmente no Brasil, pois os chineses tendem a diversificar seus mercados para evitar retaliações como as que já estão sofrendo nos Estados Unidos", afirmou Moreira. A América Latina, como se vê, tem muitas desvantagens e algumas vantagens competitivas em relação à China. Como diz Amorim, do CEBC, é preciso pensar estratégias para aproveitar o que é bom e se preparar para enfrentar as dificuldades.