Título: Para Donna, corrupção pede resposta firme
Autor: Marília de Camargo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Especial/Fórum Econômico Mundial, p. A7

Do ponto de vista americano, as eleições presidenciais no Brasil em novembro são as menos preocupantes dentre as diversas sucessões em curso na América Latina neste ano. A crise política no Brasil e a corrupção afetam um pouco o olhar do investidor estrangeiro interessado na região, mas as interferências do Judiciário no processo político causa mais temor do que a corrupção propriamente dita. A avaliação é de Donna Hrinak, ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil (2002-2004), que participará, em São Paulo, na quinta-feira, de um dos painéis do Fórum Econômico Mundial. O tema do debate é "Clima de investimentos diante da agenda eleitoral". Donna tem dado muitas palestras sobre o Brasil nos Estados Unidos ultimamente. Na última quarta-feira, por exemplo, ela disse aos estudantes da Universidade do Estado de Michigan, onde graduou-se em ciências sociais em 1972, que o "futuro do Brasil é agora". Para Donna, uma prova de que o país amadureceu é o fato de que "agora mesmo tem dez a doze pessoas aí que seriam bons presidentes da República. Há poucos países na América Latina onde você pode identificar uma dúzia de pessoas qualificadas para a Presidência." Mesmo assim, Donna concorda que ainda é difícil chamar a atenção do mundo para o que acontece na América Latina. Na na Universidade de Michigan - a mesma em que o senador petista Eduardo Suplicy fez o seu mestrado em economia - existe uma orientação de expandir o intercâmbio com o Brasil, bem como com China e Índia. "Todos os quatro BRICS são igualmente importantes.", afirma Donna, referindo-se aos destaques do momento (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

A ex-embaixadora concedeu a seguinte entrevista ao Valor:

Valor: Qual foi a mensagem que a senhora passou para os estudantes e funcionários que estavam presentes a sua palestra sobre o Brasil na Universidade de Michigan? Donna Hrinak: O tema da minha apresentação foi "Para o Brasil, o futuro é agora". Partindo dessa frase famosa, de que o Brasil é o país do futuro e sempre será, mostrei como o Brasil está dando passos importantes e já tem a base para que o futuro seja agora. Não pode aguardar mais tempo e não vai aguardar.

Valor: Essa convicção sua está baseada nos fundamentos da economia ou em outro tipo de avanço? O que a leva a ter tanta certeza? Donna: Tem vários elementos. A política econômica é um deles. Mas também acho que o fato de que alguns programas do governo Lula terem a sua base nas idéias de programas iniciais do governo Fernando Henrique mostra uma maturidade entre os políticos de que não se tem que começar tudo de novo sempre. Pode-se construir um programa contínuo e não se tem que ficar reinventando a roda sempre. Também admiro a liderança política do Brasil. Uma diferença importante entre o Brasil e os outros países da América Latina é que agora mesmo tem dez a doze pessoas aí que seriam bons presidentes da República. Eles nem serão candidatos, mas seriam bons presidentes. Tem poucos países na América Latina onde você pode identificar uma dúzia de pessoas qualificadas para a Presidência.

Valor: Cite alguns desses nomes. Donna: Não vou lançar a candidatura de ninguém. Tem vários. Mas podemos começar com os dois candidatos principais para as eleições de novembro. Se ganhar o Lula de novo ou o (Geraldo) Alckmin, o país sabe que eles farão uma boa administração. Não é razão para pânico nem motivo para preocupação dentro nem mesmo fora do país. Acho que isso mostra também maturidade do povo brasileiro.

Valor: Mas existe uma percepção de aumento da corrupção no governo brasileiro. Essa percepção pode ter um efeito sobre o interesse do investidor internacional que esteja considerando colocar dinheiro na América Latina? Donna: É um dos fatores que eles consideram, obviamente. Mas talvez mais importante que a existência da corrupção é a resposta para a corrupção. Se vão esconder tudo ou se as pessoas vão ter que responder por suas ações. Toda essa cobertura que tem saído, o fato de alguns deputados estarem sendo cassados, isso mostra que o povo brasileiro já não agüenta tanto a corrupção como antes.

Valor: Mas temos visto inclusive uma grande interferência do Judiciário sobre o Legislativo nessa crise política que o país atravessa. Isso não é algo que preocupa os empresários estrangeiros? Donna: O sistema Judiciário é muito importante para quem tenta fazer investimento, se dá ou não para confiar nesse sistema. E parte da credibilidade que o sistema tem vem da percepção de que não entre na política. Estamos fazendo as mesmas perguntas aqui também nos Estados Unidos, não exatamente na economia ou na política, mas com relação a algumas questões sociais. O papel certo do Judiciário não foi resolvido nem aqui nos EUA. Isso tem que ser debatido.

Valor: Temos observado o ressurgimento de um movimento populista na América Latina. Existe um fator socioeconômico comum por trás disso que poderia inibir o avanço da região? Donna: No grupo em que estive debatendo em Michigan me perguntaram qual era a mensagem do Brasil com respeito a esse populismo. Perguntaram se o que o governo Lula tem logrado no Brasil poderia ser até certo ponto uma resposta e um outro modelo. Durante a campanha de 2002 sempre falávamos que se Lula pudesse combinar uma política econômica razoável com atenção séria aos problemas sociais do Brasil seria uma mensagem forte para o hemisfério. E se não pudesse, teria sido uma mensagem importante para o hemisfério. Acho que o governo realizou muito, em realidade, nesse tempo. Quando o Rodrigo Ratto esteve no Brasil para receber o pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional disse que o índice de pobreza havia caído 11% durante três anos da administração Lula. É um resultado importante, mas ainda não tem sido divulgado o suficiente na América Latina. Para demonstrar que há outras maneiras, que não o populismo, para aliviar os problemas da pobreza. É preciso mostrar que essas respostas fáceis não são a solução e que há outras soluções que funcionam.

Valor: Esses movimentos populistas vão prejudicar as relações regionais com os Estados Unidos? Donna: Depende de como os políticos na América Latina avancem a agenda deles e também de as pessoas aqui no governo dos EUA pensarem com sensatez.

Valor: A senhora tem algum palpite para o resultado das eleições presidenciais no Brasil? Donna: Para mim é algo muito gratificante ver a diferença da reação aqui nos Estados Unidos sobre as eleições este ano. Quando eu estava no Brasil, em 2002, houve muita preocupação aqui especialmente com a probabilidade de uma vitória de Lula. Agora aqui esta é a eleição do hemisfério que menos nos preocupa. Acho que isso é um desdobramento importante.

Valor: Que recado a senhora trará aos participantes do Fórum Econômico Mundial ? Donna: A mensagem que vou tentar passar é que existe uma tendência de se falar da esquerda da América Latina e das eleições na região como se tudo fosse uma coisa só. É necessário ver cada país individualmente e olhar para os problemas de cada país e as soluções que cada um está oferecendo.