Título: BNDES emprestou menos para múltis na gestão Lessa
Autor: Chico Santos e Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2004, Brasil, p. A-6

As aprovações de empréstimos para empresas de capital estrangeiro caíram na gestão nacionalista de Carlos Lessa como presidente do BNDES, revelam dados do próprio banco. Em 2001, elas somaram R$ 5,66 bilhões, ou 20,9% do total aprovado. Em 2002, último ano de governo Fernando Henrique Cardoso, as aprovações subiram para R$ 7,61 bilhões, embora a participação relativa no total aprovado tenha declinado ligeiramente, para 18,5%. Em 2003, primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da administração Lessa, as aprovações de projetos para empresas estrangeiras somaram apenas R$ 4,92 bilhões, ou 12,2% do total. Neste ano, até outubro, elas estão em R$ 4,15 bilhões, 14,8% do total. Embora tenha se declarado nacionalista desde o primeiro dia e fixado juros até 1,5 ponto percentual mais altos para os estrangeiros nas políticas operacionais do banco - medida que acabou revista por determinação do próprio Lula - , Lessa sempre disse que não discriminava o capital estrangeiro. E afirmava que a queda nas aprovações de créditos para esses projetos era resultante da carência de demanda daquelas empresas. "Recebo com tapete vermelho as multinacionais que tragam bons projetos", costumava dizer Lessa.

Fonte ligada à diretoria que acaba de deixar o BNDES admite, porém, que, a partir de 2003, além da queda generalizada dos investimentos por conta da recessão do primeiro ano do governo Lula - que registrou retração de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) -, o BNDES adotou medidas que acabaram por coibir a busca de recursos por parte das empresas estrangeiras. O maior declínio desses empréstimos ocorreu em 2003, quando dois fatos conspiraram contra as multinacionais, como admitiu este interlocutor do banco. Primeiro foi o caso AES, empresa americana que ficou inadimplente junto ao banco em US$ 1,2 bilhão. As garantias dos empréstimos eram frágeis e acabavam desaguando em empresas virtuais situadas nas Ilhas Cayman. Em decorrência desse episódio, o banco passou a exigir aval da matriz para emprestar a subsidiárias de empresas estrangeiras. A medida chocou estas companhias, acostumadas, segundo essa fonte, a pegar grandes somas de recursos no país em troca de poucas garantias. A figura do aval funcionou, desta forma, como um instrumento efetivo de contingenciamento para as estrangeiras, apesar de já vigorar no banco uma espécie de "contingenciamento branco" desses créditos, baseados na capacidade que a estrangeira tinha para obter recursos de baixo custo no exterior. Se ela tinha acesso fácil a dinheiro mais barato, o BNDES optava, em muitos casos, por não enquadrar seu projeto (a não ser que o considerasse prioritário para o país), revelou esta mesma fonte. Como resultado, de cada três projetos de multinacionais que aportaram no BNDES na gestão de Lessa, apenas dois foram aprovados, a maior parte da área de energia, considerada prioritária. A gestão Lessa gostava mesmo de reforçar seu viés nacionalista, mas sempre retrucava que não era xenófoba. Por conta disso, no final do ano passado, surpreendeu a "gregos e troianos" ao decidir emprestar gordos volumes de recursos para as montadoras de veículos através do BNDES-Exim, sem correção cambial. As contratações de empréstimos do banco para estas companhias em 2003 cresceram cerca de 550%, alcançando R$ 2,3 bilhões, contra R$ 357 milhões no ano anterior. A medida foi criticada por abrir um precedente perigoso, pois, ao trocar a correção cambial pela TJLP, deixava aberta a porta para estas empresas fazerem arbitragem. "Nosso objetivo básico era fazer aliança com as multinacionais no plano das filiais, e não das matrizes, para elas competirem entre si no mercado latino-americano. O governo FHC fazia aliança com as matrizes", argumentou um ex-diretor do banco. Ele explica que esta era uma saída para controlar os empréstimos, já que não havia como escapar do financiamento às multinacionais porque a legislação brasileira impede a distinção entre empresas registradas no país por origem de capital. Desde a Constituição de 1988, o Brasil passou a não fazer distinção por origem do capital entre empresas instaladas no país. Mas foi somente a partir de 1995, na primeira administração de Fernando Henrique Cardoso, que o BNDES passou a emprestar sistematicamente às multinacionais. Naquele ano, os financiamentos às multinacionais somaram R$ 194 milhões. As perspectivas para este ano são de que o volume aprovado para as estrangeiras ultrapasse os R$ 4,92 bilhões do ano passado, já que a economia está se reaquecendo. Em 2005, caso a administração Guido Mantega venha a derrubar a necessidade de aval da matriz, as multinacionais retornarão ao BNDES, pois a exigência acabou afastando muitas empresas do banco.