Título: Para Sarney, Lula vai ter 80% dos votos do PMDB
Autor: Raquel Ulhôa
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Política, p. A10

Diante da dificuldade do PT em negociar nos Estados alianças para as eleições deste ano - o que, em vários casos, está empurrando o PMDB para o PSDB -, o senador José Sarney (PMDB-AP) define o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "casmurro" (teimoso, fechado em si mesmo, segundo o dicionário Houaiss). Sergio Zacchi/Valor - 24/1/2006 Apesar da crítica, Sarney afirma que a eventual falta de palanques fortes nos Estados não ameaça a reeleição de Lula, já que, na sua opinião, a aliança do presidente é suprapartidária, "com a população". Ele lembra que pesquisas mostram que a popularidade do presidente ainda não foi contaminada pela crise. O senador disse que a chance de o ex-governador Anthony Garotinho (RJ) ser lançado candidato a presidente pelo PMDB é "nenhuma". Ele defende que o partido prepare um candidato "competitivo" para disputar as eleições de 2010. Na sexta-feira, fechado o quadro de desincompatibilizações, Garotinho disse que não há hipótese de desistir da candidatura: "Vou colocar minha vida e meus sonhos nesse projeto e qualquer outra possibilidade só discuto depois da convenção". Sarney considera "inusitados" os escândalos envolvendo o governo e aliados, que provocaram a queda de ministros e cassação de deputados. Diz que nunca viu nada igual. Mesmo assim, elogia o desempenho do governo, principalmente nas áreas econômica e social, e diz que acredita em um segundo mandato.

Valor: Havia uma expectativa de que o ex-governador Anthony Garotinho desistisse da pré-candidatura a presidente pelo PMDB, para disputar uma vaga de deputado federal, mas ele se mantém na disputa. Quais as chances de ele realmente vir a ser candidato do partido? José Sarney: Nenhuma. Com a verticalização, é impossível que o partido tenha candidato próprio, porque isso inviabilizaria as suas composições estaduais, onde o PMDB realmente é forte. Temos 14 candidatos a governador em condições de serem eleitos e de fazer a maioria da bancada federal, na Câmara e no Senado. Se o partido não teve um candidato próprio, é porque não temos um candidato preparado, em condições de ser competitivo nessas eleições. O objetivo do PMDB deve ser se fortificar para que, na próxima eleição - que será sem reeleição - prepare um candidato competitivo.

Valor: A aliança do PMDB com o presidente também ficou inviável com a verticalização. O partido vai continuar dividido, e, pelas primeiras movimentações nos Estados, a maioria das alianças será com o PSDB. O PT e Lula não estão demorando muito a procurar os aliados? Sarney: Os partidos, como as pessoas, têm defeitos e qualidades. O PT é meio casmurro. Fica muito fechado, não gosta muito de se relacionar. Isso é estilo. Hoje, a parte do PMDB que apóia o Lula faz isso por causa dele e não por causa do PT. O Lula foi eleito presidente não pelo PT, mas por causa da liderança que é, que tem. Isso é óbvio, nunca ninguém contestou. Nem o PT se atribui essa qualidade de ter sido responsável pela eleição de Lula. O PMDB vai se compor nos Estados com diferentes partidos. Algumas seções votarão com Alckmin, mas acredito que Lula vai ter 80%.

Valor: Não é o que indicam as primeiras movimentações. O PMDB deverá estar com Alckmin nos principais colégios eleitorais - São Paulo, Rio e Minas- e várias lideranças pemedebistas estão manifestando apoio a ele, como o ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. Sarney: O Roriz pode até apoiar o Alckmin, mas, evidentemente, aqui no Distrito Federal o Lula continuará com seu palanque fortíssimo. A aliança dele é com a população. É extremamente forte na área popular. O palanque dele é muito mais forte porque é o palanque dele mesmo. Não é um palanque partidário. É um palanque suprapartidário. As pesquisas mantêm Lula num nível muito alto de intenção de votos. Ele tem voto entre os adeptos de todos os outros partidos. Por isso, não acho que ele vá ter um palanque fraco na campanha presidencial. Ele será apoiado por frentes partidárias no Acre, Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Goiás, enfim, em quase todo o país.

Valor: Por causa da fragilidade da base aliada, o governo desenvolveu uma relação com o Legislativo que deu origem a esses escândalos. Isso não torna inviável um segundo mandato? Sarney: Esses escândalos são inusitados. Confesso que durante todo o tempo que estou no parlamento nunca vi coisa igual. Nenhum governo consegue ser bom em todos os setores e o governo tem muitas deficiências. Mas elas não colocam a liderança do Lula em perigo. Acho que ele, sem dúvida alguma, vai ser reeleito. Primeiro, porque ainda é a mais forte liderança do país. Segundo, porque os desgastes que ele sofreu no governo não atingiram a sua popularidade e a confiança que a maioria do povo brasileiro nele deposita. Ele tem assegurado um período de tranqüilidade ao país. Conseguiu que aquela onda de desestabilização reivindicativa dos movimentos sociais fosse contida, que se comportasse dentro de parâmetros absolutamente normais dentro de uma democracia, o que não acontecia com o Brasil há muito tempo. Por isso tudo, eu acho que não há motivo para que ele possa deixar de ser reeleito.

Valor: O que se poderia esperar de um governo Alckmin? Sarney: Não vou analisar hipóteses. Mas o Alckmin vai dar uma boa estatura à luta política, porque é um homem bem composto, extremamente simpático, tem uma vida pública inatacável. É um homem experiente, governou durante muitos anos o maior Estado da federação, tem uma grande bagagem administrativa e, portanto, vai dar um grande realce à campanha presidencial. É uma liderança forte, emergente no país e que está se consolidando.

Valor: Não conseguindo ser candidato a presidente, qual o espaço do Garotinho no partido? Sarney: Ele está começando a vida dentro do PMDB. É, de certo modo, uma aprendizagem, porque o Garotinho tem uma vivência com partidos pequenos, onde realmente as coisas eram resolvidas pela cúpula. O PMDB é um partido muito grande, de muitas lideranças, de muita tradição. Ninguém consegue controlar o PMDB. Ele tem que aprender a conviver num partido complexo como é o PMDB. Estou no PMDB há 26 anos e sei que não é fácil.

Valor: Há rumores de que a senadora Roseana Sarney venha a ser vice vice do Alckmin. Isso procede? Sarney: Acho que isso não existe. A Roseana tem compromisso com o povo do Maranhão de ser candidata ao governo do Estado.