Título: Brasil busca esfriar tensão com Bolívia
Autor: Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Internacional, p. A11

O governo brasileiro tenta manter aberta as negociações com a Bolívia para evitar a nacionalização dos campos de petróleo do país, hoje controlados por multinacionais como a Petrobras. A ordem do Ministério das Relações Exteriores é para "esfriar" o ambiente e não usar a imprensa para enviar recados. Cautelosos, o presidente da Petrobras, Jose Sérgio Gabrielli, e o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, procuraram tratar a retomada do controle dos campos de petróleo pelo governo da Bolívia como uma "hipótese", que deve ser discutida em bases técnicas e não políticas. Associated Press "Quando um não quer, dois não brigam", afirmou Gabrielli ontem à tarde, em Belo Horizonte. "Soluções unilaterais são inadequadas para resolver este problema, acreditamos em soluções negociadas". Segundo ele, a expectativa da empresa é de que as negociações entre Brasil e Bolívia sejam mantidas em bons termos. Gabrielli disse desconhecer a intenção do governo boliviano de apresentar, ainda no mês de abril, um novo modelo contratual que transforma as concessionárias de exploração de petróleo em prestadoras de serviço e transfere o controle dos campos à estatal Yaciementos Petroliferos Fiscales (YPFB). As empresas teriam o prazo de seis meses, após a publicação do decreto, para se adaptarem às novas regras. "A Petrobras é uma grande produtora e refinadora, não somos uma empresa prestadora de serviços", observou ontem Gabrielli, dando a entender que a companhia não estaria disposta a aceitar o novo modelo. O decreto irá pôr em prática a nacionalização das reservas que, na teoria, já vigora desde a publicação da Lei dos Hidrocarbonetos. A Petrobras foi a única empresa multinacional atuando na Bolívia que não ameaçou a entrar com um recurso no tribunal de resolução de controvérsias do Banco Mundial (Bird), diante das novas regras. Não se sabe, porém, se essa posição será mantida. O presidente da Bolívia, Evo Morales, era esperado ontem à noite na capital mineira, onde ocorre a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Morales tinha participação prevista como debatedor em um dos seminários da reunião, no fim da tarde ontem, mas acabou não chegando a tempo. Seu desembarque foi confirmado para as 23 horas. O assunto será discutido hoje em reunião com Marco Aurélio Garcia. É possível que Gabrielli também participe de um encontro com o presidente boliviano. Nas palavras do presidente da Petrobras, os dois países têm motivos concretos para que seja tomado o caminho adequado, da conciliação. O gás boliviano, que atende 50% da demanda nacional, é fundamental para o Brasil. Mas a Bolívia também teria muito a perder. O Brasil compra dois terços do gás exportado pelo país vizinho e é responsável por um terço de sua receita tributária. Nem Gabrielli nem Garcia quiseram revelar detalhes das armas brasileiras na negociação com os bolivianos. Mas deram a entender que novos investimentos na cadeia de gás da Bolívia são cartas a favor do Brasil. "Esperamos a definição do quadro regulatório da Bolívia para definirmos novos investimentos", declarou o presidente da Petrobras. Marco Aurélio Garcia disse que o Brasil vai trabalhar para manter o debate sobre a nacionalização dos campos na Bolívia restrito à "sala de reunião". "Se um faz uma declaração numa direção, outro faz uma declaração em outra direção, o que acontece? Vamos esquentar indevidamente o ambiente." Seu objetivo é "não dramatizar" o problema. As discussões entre bolivianos e brasileiros sobre a exploração de petróleo e gás vão passar também pela perspectiva de a Bolívia reabrir a revisão periódica de preço do gás boliviano. O Brasil tem contrato assinado de fornecimento até 2019. A última revisão de preço, hoje comercializado por US$ 3,2 por milhão de metros cúbicos, ocorreu em 2004. Garcia informou que não havia, até ontem, nenhum encontro com o presidente da Bolívia previsto na agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A estatal brasileira já investiu na bases de exploração bolivianas, desde 1996, cerca de US$ 1,5 bilhão. O valor não inclui os gastos com a construção do gasoduto, de mais de US$ 2 bilhões.