Título: Produtividade cai, custos sobem e EUA temem inflação
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Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Internacional, p. A11

O forte crescimento da produtividade nos EUA se tornou uma característica tão comum que é fácil dá-lo como certo. Isso seria um erro, especialmente agora que os ganhos de eficiência estão desacelerando. O aumento menor da produtividade registrado este ano dará às empresas uma compensação menor ao aumento do custo da mão-de-obra e outros custos do que em anos recentes. Isso vai pressionar as empresas a elevar preços para impedir que seus lucros sejam espremidos. O que está em jogo: o caminho futuro da inflação e as decisões tomadas pelo Fed, o BC americano, em relação aos juros. No ano passado a produtividade - medida da produção por hora trabalhada em negócios não agrícolas - cresceu 2,9% em relação a 2004, divulgou em março pelo Departamento do Trabalho dos EUA. Foi uma boa amostra, uma vez que o ritmo foi mais acelerado que a tendência de longo prazo, geralmente aceita na casa dos 2,25%. Também foi surpreendente dada a fraqueza incomum da atividade econômica no final do ano passado. Com base em dados revistos, a produtividade caiu a uma taxa anualizada de 0,5% no quarto trimestre, em relação ao terceiro, mas a queda refletiu as mesmas distorções temporárias no setor automobilístico e no clima, que provocaram uma queda súbita no crescimento da economia. Avaliando os altos e baixos trimestrais, a produtividade vem caindo progressivamente há três anos, período em que salários e benefícios dos trabalhadores melhoraram. Em 2005, a remuneração cresceu 5,5%, maior alta em cinco anos. A continuação dessas duas tendências em 2006 será crucial para as perspectivas da inflação, pois isso significa que os custos trabalhistas estarão acelerando. Os custos trabalhistas unitários são os custos com a remuneração que não são anulados pelos ganhos de produtividade, e eles estão correlacionados com a inflação. No ano passado, esses custos cresceram 2,6% em relação a 2004, também o ritmo mais acelerado em cinco anos. Até agora, com a produtividade crescendo vigorosamente, os apertados mercados de trabalho e a pressão de alta dos salários não foram motivo de muita preocupação. Mas nos próximos 12 meses isso poderá mudar. Este ano, as tendências da produtividade e da remuneração provavelmente continuarão divergindo. A produtividade seguirá seu padrão de retração à medida que um ciclo de negócios amadurece. Logo depois de uma recessão, a produção por hora tende a subir, pois as empresas aproveitam o quadro de funcionários existente para atender a crescente demanda. Depois, como está ocorrendo agora, esses ganhos desaparecem, uma vez que mais trabalhadores são necessários para incrementar a produção. Ao mesmo tempo, com o nível de emprego crescendo bastante e os mercados de trabalho apertados, ao ponto em que os salários começam a crescer mais rápido, os custos trabalhistas passam a crescer em ritmo acelerado. A última vez em que a aceleração dos custos trabalhistas unitários despertou preocupação com a inflação foi no fim da década de 90. Na época, esses custos passaram de 0,7%, em 1996, para 4,2% em 2000. Mas isso foi quando o mundo estava com uma grande capacidade de produção, após a crise na Ásia em 1997. O crescimento fora dos EUA foi em geral brando, e o dólar teve uma grande valorização. Tudo isso impediu as empresas americanas de tentar elevar preços para compensar os custos adicionais de produção. Ao invés disso, as empresas sofreram uma das maiores contrações já registradas nas margens de lucro. Agora, as condições globais são diferentes - e muito mais adequadas para um maior poder de formação de preços. A demanda chinesa está sugando capacidade de produção por toda a Ásia, mesmo com a economia japonesa emergindo de sua letargia. Os mercados de trabalho globais estão mais apertados, uma vez que o crescimento da economia mundial continua acelerado. E o dólar caiu bastante, para níveis abaixo dos registrados no fim dos anos 1990. Como resultado, não surpreende que os preços das commodities estejam fortes, e muitas empresas venham tendo mais sucesso nas tentativas de subir os preços de seus produtos para cobrir os aumentos dos custos, sobretudo de energia. Também não surpreende que as empresas estejam mantendo suas margens de lucro elevadas, apesar do ritmo mais forte de crescimento dos custos trabalhistas. O grau grau de desaceleração da produtividade este ano dependerá da eficiência que as empresas conseguirem extrair de tecnologias que já possuem. Para entender por que isso é verdade, considere que o boom tecnológico que vem ocorrendo desde 1995 está conduzindo o crescimento da produtividade de duas maneiras diferentes. De 1995 a 2000, o principal motivador eram os grandes investimentos das empresas em novos hardwares e softwares, que deram aos trabalhadores uma melhor tecnologia para ajudá-los a desempenhar suas funções. Durante esse período, os recursos iniciais que as empresas precisavam desembolsar com equipamentos de alta tecnologia cresciam a uma taxa anualizada de 20%. Mas, desde o pico do boom tecnológico em 2000, os ganhos de produtividade com os novos investimentos diminuíram, com os gastos iniciais com tecnologia crescendo menos de 5% ao ano. Só recentemente o ritmo dos investimentos tecnológicos voltou a ter uma aceleração, mas o crescimento está bem atrás do registrado no fim dos anos 90. Entretanto, nos últimos cinco anos surgiu um novo estímulo à produtividade. Os economistas o chamam, nos mais simples dos termos, de progresso tecnológico. Em termos não tão simples, eles o chamam de produtividade multifator. Isso significa que as companhias aprenderam novas maneiras de usar seus equipamentos, com maior eficiência, para reorganizarem e centralizarem seus processos de produção e distribuição. Portanto, apesar da redução do ritmo com que as empresas estão investindo em novos equipamentos, elas continuam obtendo grandes ganhos de eficiência que ajudaram a aumentar a produção e reduzir os custos. A boa notícia é que a aceleração dos investimentos em tecnologia da informação desde 2004 está preparando o terreno para mais ganhos no progresso tecnológico mais para o fim da década. Mas no próximo ano, ou dois, esses tipos de ganhos de produtividade poderão muito bem desacelerar, especialmente uma vez que suas contribuições parecem estar sendo bem maiores do que na tendência recente. Infelizmente, faltam dados vigorosos sobre esse estímulo à produtividade. Os números oficiais do Departamento do Trabalho vão só até 2002, mas o ganho daquele ano foi mais que o dobro da média dos dez anos anteriores. O padrão dos lucros e as margens de lucro deste ano vão dizer muita coisa sobre como as empresas estão lidando com a menor produtividade e o aumento dos custos trabalhistas unitários. No segundo semestre do ano passado, os custos unitários cresceram um pouco mais rápido do que o originalmente previsto, sobretudo porque o aumento dos salários e benefícios acabou sendo maior. Dados revistos mostram que os salários cresceram a uma taxa anualizada de 6,5% no terceiro trimestre de 2005, em relação ao trimestre anterior, ao invés de 5%, e 4,7% no quarto trimestre, ao invés de 4,4%. Muito embora a produtividade tenha crescido menos em 2005, as empresas mais do que cobriram os custos adicionais com remuneração elevando preços. Na média, o custo da mão-de-obra de um item aumentou 2,6% no ano passado, mas o preço desse item aumentou um pouco mais, 2,8%, em comparação a 2,1% em 2004. Isso significa que as margens de lucro se sustentaram bem em 2005. Este ano, as empresas continuarão testando os mercados para descobrirem qual o poder adicional de formação de preços que elas terão. Dada a combinação de demanda aquecida e aumento das taxas de utilização, tanto nos Estados Unidos como em outros países, é provável que as empresas encontrem um poder de alavancagem dos preços maior. Se isso se confirmar, poderá ser uma benção meio embaralhada para os investidores. Os lucros continuariam crescendo em um ritmo saudável, mas as taxas de juros certamente subiriam mais, na medida em que o Fed ficaria cada vez mais preocupado com a inflação.