Título: Gripe comum à solta
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2010, Brasil, p. 10

SAÚDE

Por causa da alta produção da vacina contra a influenza A (H1N1), doses contra a sazonal estão cada vez mais escassas, o que prejudica a imunização de idosos. Instituto Butantan reconhece que teve de reduzir a produção em cerca de 10%

Enquanto o Ministério da Saúde centrou forças na aquisição de 113 milhões de doses da vacina para combater a influenza A (H1N1), mais conhecido como gripe suína, outras vacinas, como a da influenza sazonal (gripe comum), já estão em falta nos postos públicos e em laboratórios particulares. Em Brasília, idosos e doentes crônicos, público-alvo da campanha, reclamam que ainda não conseguiram se imunizar contra a gripe comum. O Instituto Butantan, sediado em São Paulo, admite que reduziu em10% a produção do insumo deste ano em relação ao que foi entregue no ano passado. ¿Faltou planejamento. Sempre consigo tomar a vacina contra a gripe, mas neste ano não deu¿, lamentou o aposentado Paulo Wagner, 66 anos, morador de Alexânia (GO).

A justificativa do Butantan ¿ que produziu 63 milhões de doses de vacinas contra a gripe suína e 18 milhões de doses da vacina contra a gripe comum ¿ é que uma parte dos insumos e matéria-prima para produção da vacina da influenza sazonal não poderia ser aproveitada. ¿Isso contribuiu de forma decisiva para prejudicar a produção do total prevista de vacina sazonal bivalente¿, diz a nota, assinada pelo presidente José da Silva Guedes. ¿A Fundação Butantan, para cumprir o acordo estabelecido e considerando a necessidade de não prejudicar o Programa de Vacinação do Idoso, buscou adquirir no mercado internacional vacina sazonal bivalente para atender à demanda prevista¿, destaca o documento.

Assim como Paulo Wagner, que só conseguiu se imunizar contra a gripe suína, Manoel (nome fictício), 47 anos, portador do vírus HIV, também voltou para casa sem a proteção contra a influenza sazonal. ¿Acho um absurdo o posto de saúde aqui do Hran (Hospital Regional da Asa Norte) não ter a vacina. Eles pediram para ligar depois de 10 de junho, mas não deram nenhuma certeza¿, contou. Na teoria, o morador de Taguatinga, soropositivo há 15 anos, deveria ter acesso gratuito ao insumo. Agente de portaria, Manoel, que ganha R$ 700, diz que não tem dinheiro para comprar a vacina em um laboratório particular. ¿Para me proteger, terei que deixar de comer¿, lamenta.

Para o infectologista José David Urbáez, os doentes crônicos devem se vacinar contra a influenza sazonal. ¿O raciocínio é o mesmo para a gripe suína: evitar o surgimento de uma doença oportunista que pode se tornar grave¿, destaca. Ainda de acordo com o especialista, quem já tomou a vacina contra o H1N1 não deve tomá-la novamente. Como os pacientes crônicos (portadores de HIV, câncer, transplantados) não estão tendo acesso ao insumo na rede pública, muitos têm recorrido aos laboratórios particulares, que só têm disponível a versão bivalente ¿ uma única vacina que proteja contra as duas gripes (suína e sazonal). ¿Não aconselho o paciente a tomar novamente. Ainda não se conhece todos os efeitos da vacina do H1N1.¿

Sem desistir Procurada pela reportagem, a gerente de vigilância epidemiológica e imunização da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Ana Luíza Grisoto, admite que a vacina da gripe sazonal está praticamente esgotada na capital. ¿Das 167 mil doses enviadas pelo Ministério da Saúde, 145 mil já foram aplicadas. Não temos mais nada em estoque. Já foi tudo distribuído aos postos de saúde¿, afirma. Em algumas unidades de saúde, como a da 514 Sul, Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e Hospital Dia (508 Sul), já não é mais possível encontrar a vacina da gripe comum. Ana Luíza justifica a falta do insumo ao fim da campanha de vacinação contra o idoso, que ocorreu de 8 a 21 de maio.

Mesmo com o fim da campanha, em 2009, a aposentada Lúcia Gonçalves, 72 anos, conseguiu se proteger contra a influenza sazonal: ¿Acho que esse ano mais pessoas tomaram. Por isso está faltando. Não vou desistir. Semana que vem eu volto para tentar¿. Lúcia, assim como milhares de brasileiros, só teve acesso à vacina contra a gripe suína.

Na avaliação do infectologista Marcone Pinhati, a gripe suína vem substituindo a gripe sazonal. ¿Acho que não foi um erro do ministério essa grande produção de vacinas contra o H1N1. Até porque a onda da gripe suína deste ano deve ser mais violenta do que a do ano passado¿, prevê.

Longe da meta estabelecida Termina amanhã o prazo para que crianças entre 2 e 5 anos e adultos de 30 a 39 anos tomem a vacina contra a influenza A (H1N1), a gripe suína. As gestantes que ainda não se vacinaram também devem procurar os postos de saúde para tomar a vacina. A meta do Ministério da Saúde, de imunizar pelo menos 80% do público-alvo, foi atingida nos seguintes grupos: profissionais de saúde, crianças de seis meses a 2 anos de idade, portadores de doenças crônicas e indígenas. Para o público de 20 a 29 anos, está bem próximo da meta, com 79,5% de doses aplicadas. Para os adultos entre 30 e 39 anos, a cobertura só chegou a 54%, e nas gestantes, a 70%. De acordo com dados do ministério, em 2010 (até 8 de maio) foram registradas 540 internações por influenza A (H1N1). No ano passado, de 2.051 mortes provocadas pela doença, 1.539 (75%) ocorreram em pessoas portadoras de doenças crônicas. Entre as grávidas, foram registradas 189 mortes. Adultos de 20 a 29 anos concentraram 20% dos óbitos (416 no total).