Título: Crise política do Rio é problema nacional
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2004, Política, p. A-8

Os recentes escândalos envolvendo deputados estaduais e federais do Estado do Rio de Janeiro relacionam-se com uma crise política mais ampla e longínqua. Ela se iniciou provavelmente com a mudança mal planejada da capital para Brasília, reforçou-se em razão dos desmandos do período autoritário, quando predominava o clientelismo chaguista, e, infelizmente, a degradação ética e institucional foi aprofundada pelos governadores eleitos desde a redemocratização do país. O sistema político e o aparelho estatal fluminense chegaram ao fundo do poço, numa situação cada vez mais parecida com as cleptocracias africanas. A gravidade disso é potencializada por algo que todos os brasileiros precisam assumir claramente: o problema político do Rio de Janeiro é uma questão nacional. Mais do que apontar as causas e possíveis remédios para esta crise, cabe ressaltar, como pontapé inicial para a mobilização da opinião pública, os efeitos negativos ao país da extensão e continuidade da decadência político-institucional do Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, o Rio ocupa um lugar central no imaginário brasileiro, seja no plano interno seja na maneira como os estrangeiros nos vêem. Em poucas palavras, trata-se da porta de entrada para a alma nacional. Neste sentido, o caos social e a degradação do sistema político do Rio afetam não apenas os cidadãos mortos por balas perdidas - isso também acontece em São Paulo ou em Vitória - ou aqueles que ficam sem hospitais por conta da cleptocracia presente na Assembléia Legislativa (Alerj) - algo que igualmente existe em outros Estados. O aprofundamento da crise do Rio atinge diretamente nossos referenciais simbólicos como nação, e a sensação de crise do país e de que nada que pode ser feito para mudar tal cenário ganha força ao final da apresentação de cada "Jornal Nacional" e suas imagens chocantes sobre o desgoverno que toma conta da cidade maravilhosa. A crise política e social do Rio de Janeiro nos enfraquece, ademais, como Federação democrática. A teoria e a prática do federalismo têm mostrado que os países federativos mais bem sucedidos são os que conseguem constituir maior equilíbrio entre as diversas regiões e Estados. A piora da qualidade da classe política fluminense e carioca salta aos olhos de quem conhece minimamente a nossa história. Como conseqüência disso, a disputa política nacional perdeu um ator estratégico na definição do jogo de poder do país. Quando em destaque, a maioria dos quadros partidários fluminenses tem se notabilizado mais pela incompetência ou corrupção, prejudicando assim a possibilidade de seus bons parlamentares - e eles existem - terem um papel mais efetivo. Mesmo sabendo que nenhum Estado está imune de pecados políticos, os que conseguiram produzir uma elite mais articulada e preparada tem se destacado mais, com forte concentração de forças em São Paulo e, em menor medida, em Minas Gerais. No entanto, a Federação ficaria melhor se houvesse quatro ou cinco unidades estaduais que tivessem capacidade de influenciar positivamente no cenário nacional.

A saída está na sociedade civil fluminense

As atitudes dos principais ocupantes de cargos públicos do Rio de Janeiro têm mais reforçado do que combatido a crise político institucional do Estado e seu debilitamento político na Federação brasileira. O governo do casal Garotinho é marcado pelo crescimento do clientelismo desbragado - vide a posição que adotaram na eleição em Campos -, pela falta de transparência governamental e pelo fiasco no combate à criminalidade. Pior: as pretensões presidenciais de Anthony Garotinho têm atrapalhado o seu relacionamento com o governo federal, particularmente na parceria no front da segurança pública. Caminho contrário e mais bem sucedido foi adotado pelo governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que com grande espírito público apostou na ação conjunta com a União sem se preocupar com a crítica à perda de autonomia do Estado. Sem entrar aqui no terreno das preferências partidárias, o fato é que pelo menos o prefeito carioca Cesar Maia demonstrava uma capacidade gerencial maior e dava um destaque nacional mais positivo ao Rio de Janeiro, a despeito de produzir factóides típicos da pior tradição populista brasileira. Levar o Panamericano de 2007 ao Rio foi um ato ousado e com efeitos benéficos à imagem e à economia locais. Ao anunciar que pode abandonar a prefeitura recém-conquistada para concorrer à Presidência ou a Vice-Presidência da República, Cesar Maia não somente traiu seus eleitores, mas também o país, uma vez que, hoje mais do que nunca, precisamos de uma classe política fluminense comprometida com o Estado para que possamos reconstruir um dos mais importantes referenciais simbólicos da nação e um dos pólos de equilíbrio da Federação. Se os que foram eleitos pela população do Rio não se comprometerem com esta luta, como demonstrar a relevância dessa questão para todos os brasileiros? As alternativas partidárias majoritárias na política nacional são muito fracas e desorganizadas no Rio. O PT local vive em eterna briga e falta de perspectiva, enquanto o PSDB praticamente inexiste. A esperança está na sociedade civil fluminense, que têm excelentes universidades, empresas, quadros intelectuais e gerenciais. Esta parcela da opinião pública precisa se mobilizar para produzir diagnósticos e remédios para reconstruir o Rio de Janeiro, incluindo aqui o aumento de sua participação política. Porém, acredito que tal luta terá mais chances de sucesso se houver uma aliança com outras forças sociais do país, numa parceria nacional para livrar o Rio da desgraçada crise que o acomete e que tanto enfraquece o país.