Título: Mantega terá que dar um basta no crescimento do gasto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Opinião, p. A13

Os resultados fiscais do primeiro bimestre embutem elementos preocupantes. A expectativa de que haveria espaço para uma ampliação do gasto público não encontra respaldo nos números divulgados até agora. Tão preocupante quanto os números em si é a idéia de que bastaria ao governo cumprir as metas de superávit primário para assegurar a consistência da política econômica. Essa percepção passa ao largo de que, tendo cumprido um papel fundamental na reversão da trajetória crescente da relação dívida/PIB no passado recente, os parâmetros macroeconômicos definidos anteriormente podem não ser funcionais para a retomada do crescimento sustentado, por implicarem na contenção do investimento público e em uma carga tributária que desestimula o investimento privado. Em outras palavras, atualmente tão importante quanto o valor do superávit primário é a contenção do crescimento do gasto corrente, para abrir espaço para o aumento do investimento e a queda da carga tributária. É necessário chamar as coisas pelo seu nome: a política fiscal do ministro Palocci vinha sendo qualquer coisa menos contracionista. O gasto primário do governo central, em termos reais, cresceu 8% em 2004, 10% em 2005 e outros 10% no primeiro bimestre de 2006. Qualificar a política fiscal dos últimos anos de "arrocho" e achar que "agora sim finalmente chegou a hora de gastar" é uma agressão aos fatos tão absurda quanto afirmar, por exemplo, que Schumacher não sabe dirigir. A realidade é que o gasto público vinha crescendo aceleradamente - e o ministro Guido Mantega será obrigado a colocar o pé no freio desse expansionismo fiscal. Se o Partido dos Trabalhadores (PT) entender que a troca do ministro da Fazenda será a guinada para o aumento da despesa e forçar o governo a optar pelo caminho da gastança, o país estará sendo levado a cometer um erro gravíssimo.

-------------------------------------------------------------------------------- Se o PT entender que a troca de ministro será a guinada para o aumento da despesa e forçar o governo a gastar mais, estará cometendo um erro gravíssimo --------------------------------------------------------------------------------

Vamos aos números. Na estatística referente ao superávit primário acumulado em 12 meses, a cada mês, sai um mês e entra outro. Assim, cada mês pesa apenas 1/12 no total. Por isso, as mudanças, a princípio, se processam suavemente. Simplificando, se partindo de um superávit primário de 4,85% do PIB se pretende 12 meses depois chegar a 4,25%, a cada mês, em média, a estatística em 12 meses deveria piorar em torno de 0,05% do PIB - ou 0,2% do PIB em quatro meses. Pois bem, o superávit primário consolidado em 12 meses, que em outubro estava em 5,2% do PIB, atingiu 4,4% do PIB em fevereiro - uma piora de 0,8% do PIB em quatro meses. Outro indicador relevante é a estatística do governo central nos primeiros dois meses do ano. Neles, em 2005, essa esfera de governo tinha gerado um superávit de 3,6% do PIB, que caiu nos primeiros dois meses de 2006 para apenas 2,1% do PIB. Considerando que a meta anual para o governo central é de um superávit primário de 2,45% do PIB, a conclusão salta aos olhos: enquanto no começo d e 2005, o governo acumulou fôlego para gastar no restante do ano, em 2006 ocorrerá exatamente o contrário: será preciso "correr atrás do prejuízo" para compensar o salto que as despesas deram no começo do ano. É importante esclarecer dois pontos. Primeiro, não estou dizendo que 2006 seja estritamente comparável com 2005, pois sei perfeitamente que a distribuição do gasto em um ano eleitoral é diferente da de um ano sem eleição. E segundo, não estou insinuando que o governo não cumprirá a meta fiscal de 4,25% do PIB. Os números do começo do ano, porém, falam por si e têm o caráter de um sinal amarelo. O governo não pode se enganar: o gasto público está crescendo muito sim e a velocidade de crescimento terá que diminuir drasticamente até o final do ano. A tabela mostra isso de forma clara. Nela, assumimos uma inflação média (IPCA) de 5% no ano - 4,9% na média de março/dezembro contra os mesmos meses de 2005 - e o crescimento da economia estimado pelo Ipea de 3,4%. Adotamos ainda as seguintes hipóteses: 1) PIB em 2006 de R$ 2,1 trilhões; 2) superávit primário do governo central de 2,45% do PIB; e 3) crescimento real da receita líquida e das despesas com pessoal igual ao do PIB e da despesa do INSS de 7%. Neste caso, o menor crescimento em relação ao início do ano seria resultante do combate às fraudes por parte da equipe do ministro da Previdência. A conclusão é que as "outras despesas", que cresceram em termos reais 16% em 2004, 14% em 2005 e 17% no primeiro bimestre, terão que crescer apenas 4% no período março/dezembro em relação aos mesmos meses de 2005. A retórica política diz que Palocci era fiscalmente contracionista e Mantega seria expansionista. Os números mostram que a primeira afirmação é equivocada. Por sua vez, o cumprimento da meta fiscal de 2,45% do PIB do governo central obrigará o ministro a mostrar que a segunda também é falsa. Ele terá pela frente a tarefa árdua de dizer "não" à maioria das demandas que lhe forem apresentadas nos próximos meses.