Título: Bacalhau chega à mesa do brasileiro sob escolta
Autor: Daniela D'Ambrosio
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Empresas &, p. B1

Cena comum nessa época do ano. A mercadoria sai do porto de Santos ou Vitória e, dali, não passa mais um minuto sequer sem ser meticulosamente vigiada. O transporte só acontece em caminhões rastreados por satélite e escoltados por, no mínimo, dois carros. A preciosidade em questão? O bacalhau, peixe das águas límpidas e gélidas do Pólo Norte, que antes de chegar à mesa do brasileiro enfrenta uma logística que mais parece uma operação de guerra. Caro e com enorme liquidez nesse período - quando se vende 70% do total consumido o ano todo - o bacalhau virou alvo preferencial dos ladrões de carga. Resultado: poucas transportadoras e seguradoras aceitam trabalhar com o produto. Quando o fazem, exigem escolta e monitoramento da carga. "O gerenciamento de risco para esse tipo de produto precisa ser muito severo", afirma Atílio Rimonete, diretor da Marsh Seguradora, empresa que atende grandes varejistas. Quem aceita o seguro do bacalhau, se cerca de cuidados. "Não declinamos, mas tomamos uma série de providências, já que o risco de roubo de uma carga como o bacalhau chega a 80% se não tiver proteção", diz Dênis Teixeira, superintendente de transportes da Unibanco AIG. "Existem quadrilhas especializadas nesse tipo de roubo, que já tem onde colocar o produto", completa. A Unibanco seguradora é quem define a transportadora - nesse caso não são aceitos caminhoneiros autônomos - e exige monitoramento via satélite e escolta para cargas acima de R$ 80 mil. Como um contêiner de bacalhau dificilmente custa menos de R$ 120 mil, são poucos os lotes que escapam do rigoroso esquema de segurança. O valor do seguro varia de 0,50% a 1% do valor da carga, dependendo da distância e da rota. Segundo Wilson Barquilla, diretor comercial de carnes e aves do Pão de Açúcar, o bacalhau só sai do porto de Santos em direção a São Paulo com escolta. A rede faz importações diretas há dez anos e compra 10% do total consumido no Brasil. "Sem seguro, é impossível trabalhar com bacalhau", afirma Rodrigo Gonzalez, da importadora La Rioja. Depois de inúmeros problemas para transportar o peixe, a La Rioja, principal importadora de bacalhau do país, resolveu abrir sua própria transportadora. Hoje, 100% do trânsito dentro do Estado de São Paulo é feito pela própria frota da companhia e somente parte da entrega para outros estados é terceirizada. "Estávamos tendo muitos problemas para conseguir movimentar nossa mercadoria", diz Rodrigo Gonzalez. No ano passado, a empresa vendeu mais de dois milhões de quilos de bacalhau e a previsão para este ano é de um aumento de 25%. O problema está se agravando e o bacalhau começa a ser roubado também nos depósitos. A La Rioja preferiu não dar detalhes, mas confirmou que seu armazém foi assaltado no início do ano. Por conta dessa complicada engenharia, agravada pelo problema de crédito - até pequenas vendas envolvem valores altos e, por conta disso, a inadimplência de pequenos e médios varejistas é grande - duas grandes importadoras, a La Pastina e a Interfood, pararam de importar o peixe. A concorrência com as grandes redes varejistas, que passaram a importar o produto diretamente, também desencorajou essas companhias a continuar no negócio. "Não valia a pena, é um grande risco em vários sentidos", diz Celso La Pastina, que importou o pescado durante 40 anos. O Empório Chiapetta, que trabalha com bacalhau desde 1908 preferiu este ano, pela primeira vez, não importar o produto diretamente para a Páscoa. Recorreu aos importadores e atacadistas. Além do tradicional posto no Mercado Municipal de São Paulo e dos empórios, o Chiapetta também possui dois restaurantes especializados na venda de bacalhau. Das 18 toneladas vendidas anualmente, entre 7 e 10 são negociados na quaresma. "O brasileiro está assimilando cada vez mais o ritual do consumo do bacalhau", diz Eduardo Chiapetta. Apesar do alto custo que a logística do produto gera e o seu inevitável impacto no preço final, o câmbio tornou-se grande aliado das importadoras que se mantém no negócio. Outro fator que ajuda o preço a não ficar proibitivo é que a maioria das variedades estão saindo 10% mais baratas da Noruega por conta da quantidade pescada este ano. "O bacalhau já foi um produto em que a qualidade era o principal aspecto", afirma fonte envolvida no negócio. "Hoje, o foco virou preço, a competitividade entre as redes está enorme." Mais barato da família, o bacalhau tipo saithe - ideal para bolinhos - é o líder em vendas no Brasil. No ano passado, respondeu por mais de 60% das importações, contra 25% do bacalhau cod , mais conhecido por bacalhau do porto. A expectativa para este ano é de um aumento das vendas entre 25% e 30% em relação à Páscoa do ano passado. E os primeiros embarques do ano apontam nessa direção. Segundo dados do Conselho Norueguês da Pesca, nos dois primeiros meses do ano, o Brasil ultrapassou de longe Portugal, tradicional importador, na compra de bacalhau da Noruega. Foram 9 mil toneladas compradas pelo Brasil, contra 2,2 mil importadas por Portugal.