Título: Falta de jurisprudência dificulta medidas legais contra os sites
Autor: Ricardo Cesar e João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Empresas &, p. B2

O comércio ilegal pela internet inverte duplamente a relação tradicional de forças no mercado. Primeiro porque dá a falsificadores de fundo de quintal e a contrabandistas anônimos um alcance grande o suficiente para arranhar a imagem de grandes marcas. É a velha luta de "Davi" contra "Golias", mas desta vez o "Davi" é muito pouco ético. Tome-se o caso da Von Dutch. Os bonés da marca saem por volta de R$ 300 e as camisetas não custam menos de R$ 400. Com esses preços, é razoável argumentar que o consumidor que adquire a versão pirata na internet, por menos de um décimo do valor, não compraria o produto original de qualquer jeito. A questão, porém, é outra. Marcas como a Von Dutch vivem da exclusividade, explica Leonardo Costodio Neto, representante da empresa no Brasil. Se o consumo se massifica demais, o interesse de quem compra o produto original cai, o que desgasta a marca e provoca um prejuízo real, embora difícil de mensurar. É de imaginar que, nesses casos, as grandes companhias poderiam resolver o problema facilmente, com medidas judiciais e advogados bem pagos. Mas esse é o segundo engano. Como o comércio on-line ainda é um fenômeno recente, não é fácil chegar com um caso bem fundamentado aos tribunais, mesmo quando as provas parecem fartas. Para começar, a empresa que se sente lesada tem de comunicar ao site em questão que há indícios de ações ilegais e, então, pedir providências, explica Renato Opice Blum, do Opice Blum Advogados Associados, um escritório especializado em direito eletrônico. A partir daí, há dois caminhos possíveis: se o site não tomar nenhuma providência, seus donos podem ser legalmente responsabilizados, mas é preciso provar que houve ilegalidade e que os diretores do site sabiam disso. Geralmente, no entanto, o site retira os anúncios do ar, que acabam voltando pouco tempo depois, principalmente no caso dos sites de leilão. É necessário, então, responder a questões técnicas, como saber se é possível colocar um filtro que evite os atos ilegais. Toda essa discussão antecede a resolução efetiva do problema e está apenas no âmbito penal. No campo tributário - para provar que houve sonegação fiscal, contrabando etc. - a dificuldade é semelhante. Resta a esfera civil. No artigo 127, o Código Civil faz referência a empresas cujas atividades econômicas sejam, por sua própria natureza, capazes de causar danos a outras pessoas. Nesses casos, quando há um ato ilícito, a companhia tem obrigatoriamente de indenizar a vítima. É o que ocorre com atividades nucleares, por exemplo. A pergunta, aqui, é se os sites de leilão ou lojas virtuais poderiam ser enquadrados nessa categoria. É outro desafio. Como não existe jurisprudência - casos semelhantes decididos anteriormente, que serviriam de bússola -, a interpretação cabe ao magistrado, explica o advogado. Em um terreno jurídico tão pouco sólido, os resultados de processos contra sites de leilão são sempre difíceis de prever. Mas isso não impediu que algumas companhias entrassem na Justiça contra o Mercado Livre, por exemplo. Mauro Falsetti, responsável pela área jurídica do site, afirma que quase sempre as disputas terminam em acordo. "Não vendemos produtos, apenas oferecemos espaço para terceiros", diz. "Nossa atividade pode ser comparada a um shopping center ou a um serviço de classificados de jornal. Não temos contato direto com o que é ofertado." Questões legais à parte, existe outro ponto que deve ser considerado nesse assunto, diz Opice Blum. O comércio ilegal na web é global, mas no Brasil é fortemente reforçado por um aspecto cultural: a mania de querer levar vantagem em tudo. "Muita gente acha que não precisa cumprir a lei", afirma. "O 'jeitinho' brasileiro emperra as relações econômicas e até o fluxo de investimentos no país", lamenta o advogado. (JLR e RC)