Título: Comércio ilegal prejudica marcas na web
Autor: Ricardo Cesar e João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Empresas &, p. B2

Quem quiser adquirir o sistema operacional Windows XP Professional pagará cerca de R$ 800 em qualquer loja que forneça o produto original. No site de leilão Mercado Livre, no entanto, é possível comprar o programa da Microsoft por R$ 170. Lá, também, encontram-se os cobiçados bonés da Von Dutch, que normalmente custam R$ 300, pela pechincha de R$ 18,99. Ou novíssimos modelos de câmeras digitais e computadores portáteis que ainda não foram lançados no Brasil por seus fabricantes. Esses são apenas alguns exemplos da venda de produtos ilegais, falsificados ou contrabandeados em web sites. Trata-se de um problema que, em maior ou menor grau, incomoda a praticamente todas as marcas reconhecidas. O comércio ilícito na internet nasceu quase junto com as vendas eletrônicas legais, mas nos últimos anos os infratores profissionalizaram-se e a prática deslanchou, pegando carona no próprio sucesso do varejo on-line. O alerta é de Edson Vismona, presidente do Instituto Brasil Legal, uma entidade criada no ano passado por um grupo de empresas de tecnologia e eletroeletrônicos para combater a pirataria. Os sites são usados como canal de apresentação dos produtos, que entram de forma clandestina no país - muitas vezes via Foz de Iguaçu - e vão para um "centro de distribuição" em algum lugar escondido. A exibição pela internet permite alcançar potenciais clientes em todo o território nacional e garante o anonimato. Fechada a compra, os itens são enviados por sedex. "É uma logística sofisticada. Eles atuam como uma empresa", afirma Vismona. Uma das maiores vítimas de pirataria, a americana Nike já detectou a ameaça das vendas ilegais pela web. Fábio Espejo, diretor financeiro da empresa no Brasil, conta que as informações obtidas no país são repassadas à matriz, que decidiu centralizar a questão e está reunindo dados de suas subsidiárias. A Nike estuda a possibilidade de mover processos em escala mundial contra sites de leilão, mas quer certificar-se de que há base jurídica para isso, algo que ainda não está claro. Outras empresas, porém, já decidiram ir à Justiça. É o caso da Von Dutch. A empresa já havia encaminhado uma notificação extra-judicial ao Mercado Livre, comunicando sobre a chegada oficial da marca ao país e pedindo medidas contra os anúncios de produtos ilegais. Há duas semanas, representantes da empresa e do site tiveram uma reunião, mas o encontro não se mostrou satisfatório. "Agora, estamos notificando judicialmente o Mercado Livre. Eles devem receber a notificação nos próximos dias", diz Leonardo Costodio Neto, dono da Brava e licenciado da Von Dutch para o Brasil, a Argentina e o Chile. A Business Software Alliance (BSA), uma associação internacional que combate a pirataria de programas de computador, confirma que a internet tornou-se um dos canais de venda preferidos dos infratores. "A pirataria física acontece com maior intensidade em alguns países, como o Brasil, mas na internet o problema atinge a todas as nações", diz André de Almeida, consultor jurídico da entidade. São três os canais utilizados para escoar produtos ilegais pela internet: sites de leilão, lojas virtuais e spams, os e-mails não solicitados. O problema afeta diversos itens, de CDs e tênis até roupas, medicamentos e eletroeletrônicos. Pela visibilidade que conquistou - está entre os dez sites mais visitados do país -, o Mercado Livre é visto como um foco do problema. Nos últimos anos, a empresa deixou de ser exclusivamente um serviço de leilão para tornar-se uma opção simples e barata de comércio eletrônico para pequenos varejistas. Com isso, tornou-se uma espécie de shopping center virtual, que abriga mais de 5 mil lojas. Atualmente, 70% dos produtos vendidos no site são novos e 86% dos negócios são fechados na modalidade "compre já", cujo preço é fixo, dispensando os lances do leilão.

-------------------------------------------------------------------------------- Anunciados como genuínos, bonés da Von Dutch, que custam R$ 300, saem por R$ 18,99 em alguns sites --------------------------------------------------------------------------------

O problema é que, junto com os comerciantes honestos, o Mercado Livre foi infestado por pessoas que agem à margem da lei. Como o modelo de receita do site é composto de uma tarifa de 1% do preço de venda do produto anunciado mais uma comissão de 4% sobre cada item que é vendido, a empresa engorda seu caixa com os artigos ilegais - ainda que condene publicamente essa conduta. Stelleo Tolda, presidente do Mercado Livre, afirma que no máximo 2% dos 900 mil anúncios mensais que são postados no serviço oferecem mercadorias contrabandeadas ou ilegais - uma proporção que seria inferior ao de muitas regiões de comércio tradicional, argumenta. O executivo diz que o site proíbe expressamente a pirataria e mantém 20 profissionais trabalhando em tempo integral para localizar e remover os anúncios irregulares. Para detectar a ação dos piratas, o Mercado Livre tem formado parcerias com companhias e entidades setoriais. É o que ocorre com a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), que só em fevereiro solicitou a retirada de 2.848 anúncios. O número é alto, mas caiu a um terço do que quando a entidade iniciou a cooperação, há três anos. "Temos todo o apoio do Mercado Livre para combater a pirataria, mas quem é retirado pode voltar daqui a duas horas com outro nome", afirma Jorge Sukarie, presidente da Abes. Esta é uma reclamação comum a todas as vítimas de pirataria nas páginas do Mercado Livre: o site colabora, mas o problema é no máximo amenizado e raramente resolvido. "As atitudes são absolutamente inócuas", diz Costodio, da Von Dutch. A política de remoção de anúncios tem eficiência limitada pela facilidade com que o infrator pode se recadastrar com dados falsos a qualquer momento. "É como enxugar gelo", diz Espejo, da Nike. "Não considero satisfatório o trabalho do Mercado Livre para coibir a pirataria." Mas por que a empresa não institui um cadastramento rigoroso dos vendedores? Essa possibilidade foi estudada pelo Mercado Livre, mas acabou descartada pelo temor de que um processo de identificação complexo espante os lojistas e asfixie o negócio. "Temos um cadastro que é propositalmente fácil para que as pessoas possam comprar e vender sem burocracia", diz Tolda. "Se o funil fosse mais rigoroso, teríamos menos problemas com pirataria, mas também menos transações honestas." O problema da pirataria on-line, porém, não se restringe aos serviços de leilão. A Abes mantém acordos com provedores de acesso e empresas que hospedam sites para que qualquer página que seja identificada vendendo produtos piratas seja retirada do ar. No ano passado, cerca de 500 endereços foram removidos da internet. Há empresas instaladas no Paraguai que têm sites em português, pelos quais vendem produtos de informática, softwares e eletroeletrônicos no Brasil. Sabe-se que são mercadorias originais contrabandeadas ou roubadas, vendidas a preços inferiores aos de mercado. A Von Dutch acredita que terá de ampliar as ações judiciais e está rastreando outros sites potencialmente prejudiciais aos negócios. "A internet é reflexo da sociedade. Os problemas que ocorrem no mundo off-line tendem a se reproduzir no on-line", diz Tolda, do Mercado Livre. "Gostaria de poder dizer que a pirataria na web tem prazo para terminar, mas não seria verdade."