Título: Crise dos grãos afeta cidades no PI e MA
Autor: Alda do Amaral Rocha
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Agronegócios, p. B14

Na pequena Uruçuí (PI), onde os moradores costumam colocar cadeiras nas calçadas no fim do dia para "tomar a fresca", a crise da soja já mostra os primeiros sinais. Em Balsas (MA), onde a vida já é acelerada e barulhenta, também. As duas cidades do cerrado nordestino cresceram nos últimos anos, acompanhando o avanço da soja na região. Mas agora, quando os produtores enfrentam uma crise de rentabilidade e endividamento que já vai para a segunda safra, esse avanço pode ser contido. Uruçuí ganhou importância no mapa da produção de soja brasileira principalmente após a chegada da Bunge à região em 2003, e por isso atraiu produtores do Sul e do Centro-Oeste interessados em terras. Hoje, porém, a procura por áreas para plantio vive dias de calmaria. Carlos João Machado, proprietário da Imobiliária Sul Brasil, especializada na venda de imóveis rurais, em Uruçuí, explica que a procura é menor porque produtores do Sul do país, principalmente, que costumam ir ao Piauí e Maranhão para comprar terras, estão em situação difícil por causa da crise do setor. "Eles não conseguem vender suas terras no Sul, então não conseguem investir aqui", afirma. Até meados de março, Machado não tinha comercializado nenhuma área na região de Uruçuí, mas diz que o movimento deve melhorar a partir da colheita, que se inicia agora. Um dos efeitos da menor procura por terras na região é a estagnação dos preços, que já são mais baixos que em outras áreas de produção do país. Hoje, o hectare de terra bruta (isto é, que ainda precisa ser aberta e trabalhada para o plantio) em Uruçuí está cotado entre 20 e 25 sacas de soja. O valor é o mesmo desde 2004, segundo Machado. As vendas de máquinas agrícolas na região também são afetadas. De acordo com o gerente de vendas especiais da CNH, Mario Toigo, as vendas de tratores agrícolas recuaram 29% no Piauí na comparação entre o ano passado e 2005. Já as de colheitadeiras tiveram queda de 78% no período. Até fevereiro deste ano, as vendas de tratores cresceram 13% sobre igual período de 2005, mostrando o início de uma recuperação. Toigo afirma ainda que até fevereiro deste ano foram vendidas quatro colheitadeiras na região. No mesmo período de 2005, nenhuma máquina havia sido vendida. No caso do Maranhão, a CNH vendeu um número 53% menor de tratores em 2005 na comparação com 2004. As vendas de colheitadeiras caíram 58% no período. Também há sinais de recuperação no caso dos tratores, cujas vendas subiram 158% até fevereiro deste ano ante igual período de 2005. O comércio de colheitadeiras no período, porém, caiu 11% no Estado. Roger Dietrich, da Gaspareto Tratores, concessionária da CNH, diz que a revenda só comercializou três colheitadeiras este ano na região de Bom Jesus e Uruçuí. Foram 11 em 2005, segundo ele. "O produtor já vem de um ano difícil por isso está segurando as compras. Ele quer saber como será o ano", afirma, referindo-se à expectativa do produtor em relação à comercialização da soja. E é exatamente isso - saber como será o mercado - que tira o sono do produtor, avalia o paulista José Roberto Bortolozzo, que planta soja em Uruçuí. Para o produtor, que também cultiva café e cana em Araraquara (SP), na atual crise de rentabilidade, "quem conseguir pagar as contas nesta safra, vai ser vitorioso". Mas a inadimplência não está só entre os produtores. A crise na agricultura também interfere diretamente no desempenho do comércio das cidades, derruba as vendas em todos os segmentos e já eleva a inadimplência, segundo João Batista da Penha, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Balsas. Pelas estimativas da CDL, as vendas em Balsas recuaram 25% em valor na comparação com o ano de 2004. Um dos segmentos que teve forte aumento da inadimplência foi o de material de construção. Em 2005, o nível de inadimplência subiu 25,3% em relação ao ano anterior. A câmara pondera, contudo, que o maior percentual também se explica pelo aumento do número de associados à entidade. Considerando todos os segmentos, a inadimplência teve alta de 34,2% em 2005 na comparação com o ano anterior, conforme a CDL. O mercado ruim para a soja em 2005 também levou o setor de confecções a demitir em Balsas, conforme Penha, já que houve retração nas vendas do segmento e aumento do calote. Ele avalia, porém, que "quem tinha de se ajustar, já se ajustou", por isso não espera novas demissões. Sobre o desempenho do comércio este ano, João Batista da Penha afirma que "por pior que seja, a safra traz resultados". Segundo ele, com a colheita a partir de abril, a expectativa é de que as vendas se recuperem. Mas, reconhece, elas não devem voltar ao patamar de 2004, ano em que a soja bateu recordes de preço. Segundo o Cepea/Esalq, no dia 22 de março de 2004, a saca atingiu R$ 55,30.