Título: Com TJLP mais baixa, BC pode ser mais cauteloso na redução da Selic
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Finanças, p. C2

Com a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de 9% para 8,15% ao ano, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deu na sexta-feira mais um estímulo para a atividade econômica, ao diminuir o juro que corrige os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas, se tornou o investimento mais barato, a decisão pode levar o Banco Central (BC) a desacelerar o ritmo de queda da taxa Selic nos próximos meses, na visão de analistas mais ortodoxos. Para eles, o descompasso entre a TJLP e os juros básicos é um dos fatores que reduzem a eficiência da política monetária no Brasil. A questão é que a Selic influencia apenas o custo do crédito com recursos livres, mas não o do crédito direcionado (como os empréstimos do BNDES), que equivale a 33% do volume total de financiamentos na economia. Nesse cenário, para o BC manter a inflação sob controle, os juros básicos teriam que ficar num nível mais elevado do que seria necessário , já que uma parte expressiva do crédito não é afetada pela Selic, avalia o ex-ministro Edward Amadeo. Essa idéia apareceu com freqüência entre setembro de 2004 e maio de 2005, quando o BC promoveu um aperto monetário. Nesse período, a Selic subiu de 16% para 19,75% ao ano, enquanto a TJLP ficou o tempo todo parada em 9,75%. Num momento em que o BC queria reduzir a demanda para controlar a inflação, a TJLP impulsionava a demanda, reduzindo a eficiência da política monetária, afirma o professor Márcio Garcia, da PUC-Rio. Um argumento a favor da TJLP mais baixa é que ela aumenta a capacidade de oferta da economia, porque o BNDES financia projetos de investimento. O professor Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, diz que isso é verdade no longo prazo, mas lembra que, no primeiro momento, os investimentos das empresas estimulam a demanda. Os analistas dizem que o quadro hoje é bem diferente do que ocorreu entre setembro de 2004 e maio de 2005. No relatório de inflação divulgado na quinta-feira, o BC indicou que o afrouxamento da política monetária vai continuar, por estar confortável com a trajetória para os índices de preços. A questão é saber a que ritmo cairão os juros daqui para a frente. Para Amadeo, em tese, uma queda mais forte da TJLP pode ter como contrapartida um corte mais modesto da Selic. "Mas não dá para dizer que a redução da TJLP de 9% para 8,15% ao ano vai implicar necessariamente numa desaceleração do ritmo de recuo da Selic." De qualquer modo, como a TJLP mais baixa estimula o investimento, é certo que o BC vai acompanhar de perto o impacto da medida sobre a demanda, num cenário em que o aumento dos gastos públicos e da massa salarial estimulam a atividade econômica. Se fosse usado rigorosamente o critério de que a TJLP deve ser formada pela expectativa de inflação para os próximos 12 meses (4,32%) e o risco-Brasil (235 pontos), a taxa estaria abaixo de 7% ao ano. Mesmo assim, o tombo de 9% para 8,15%, de 0,85 ponto percentual, é proporcionalmente muito mais forte do que as quedas da Selic promovidas pelo BC nos últimos meses. Em março, a Selic caiu 0,75 ponto, mas de 17,25% para 16,5%. Mas a avaliação de que a TJLP mais baixa pode levar à desaceleração da queda da Selic está longe da unanimidade. Para o economista Luís Paulo Rosenberg, sócio da Rosenberg & Associados, o problema está no nível da Selic, e não da TJLP. "Eu tive o trabalho de estudar política monetária por muitos anos para levar a sério essa história", diz. Para ele, não há nenhum motivo para que os juros brasileiros sejam tão mais elevados do que no resto do mundo. Para Rosenberg, a Selic poderia e deveria estar num nível bem mais baixo que os atuais 16,5%. Não é a TJLP que está fora do lugar, afirma ele. O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, reforça a opinião de Rosenberg. "A Selic é uma aberração, é ela que está errada." Belluzzo diz ainda que o custo dos empréstimos do BNDES não é baixo para padrões internacionais. Além dos 8,15% da TJLP, há um spread (adicional) cobrado pelo banco repassador que pode elevar a taxa final para a casa de 12%. Belluzzo diz ainda que o crédito direcionado a taxas mais baixas surge por causa das distorções provocadas pelo nível elevado dos juros básicos. "É um modo de não asfixiar a economia, de criar canais compensatórios aos juros básicos." O próximo capítulo da polêmica deve ocorrer no fim do semestre, quando o CMN se reunir para definir a TJLP que valerá para os três meses seguintes. Ao que tudo indica, haverá mais uma queda razoável da taxa. Afinal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu com firmeza reduções mais fortes quando era presidente do BNDES. Por várias vezes, disse que a TJLP poderia cair para 7%.