Título: Analistas vêem riscos na onda dos emergentes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2006, Finanças, p. C8

Em meio à euforia de investimentos em economias emergentes e à queda acentuada de "spreads" soberanos, a grande questão colocada entre os banqueiros, economistas e investidores reunidos no encontro anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é sobre como e quando ocorrerá a próxima virada de humor. A suspeita dos mais catastrofistas é que a crise que bate à porta terá origem nas emissões em moedas locais feitas nos mercados domésticos, que é a nova face com a qual vem se apresentando o fluxo internacional de capitais. "Sempre estamos tentando prevenir a última crise, corrigindo os fatores que a provocaram, que não são necessariamente os mesmos que levarão à próxima crise", disse o economista Ricardo Haussman, da Universidade de Harvard, referindo-se à falta de conhecimento do nível de alavancagem nos mercado internacionais e à benevolência na mensuração dos riscos. O diretor de pesquisa de mercados emergentes do banco Lehman Brothers, Guilherme Mondino, diz que a abundância de liquidez permitiu que governos de países da América Latina, incluindo o Brasil, reduzissem sua divida externa líquida a zero. Com menos papéis em mercado, os "spreads" dos emergentes encolheram, e a alternativa foi a busca de maiores retornos em papéis domésticos. O Brasil não ficou fora da tendência e tem assistido a um ingresso razoável de recursos estrangeiros destinados à compra de papéis do Tesouro. Mondino cita pelo menos quatro fatores desestabilizadores dessa tendência: o investidor doméstico é de pior qualidade que o internacional; o governo é o principal emissor de dívida, tomando espaço do setor privado; a alternativa de financiamento no mercado doméstico é mais cara que no exterior; e falta hedge nos mercados locais para os investidores estrangeiros protegerem suas posições. Há dúvidas também se a queda de "spread" é consistente e duradoura, ou se é puxada pelo quadro de abundância de liquidez internacional. O Departamento de Pesquisa Econômica do BID divulgou estudo - de autoria dos economistas Eduardo Borensztein, Barry Eichengreen e Ugo Panizza - que mostra que a queda dos "spreads" teria sido cerca de um terço menor caso fosse motivada exclusivamente pelos fundamentos. Paulo Leme, diretor de mercados emergentes da Goldman Sachs, diz que há um componente estrutural na queda dos "spreads" - a melhora dos indicadores de solvência externa - e que há uma parcela cíclica, ligada ao forte crescimento mundial, que puxa o preço de commodities e favorece os emergentes. "Na parte cíclica, haverá um ajuste, não só nos Estados Unidos, mas no crescimento mundial", diz Leme. "As economias latino-americanas não estão aproveitando essa oportunidade para fazer todos os ajustes necessários." Leme nota que os mercados subestimam o risco político na América Latina em um ano repleto de eleições. A crise política ocorrida no Brasil nas duas últimas semanas não provocou grande estrago. Para o economista, as perdas foram minimizadas porque os mercados estão bem protegidos e porque ainda há um prêmio de risco interessante nas aplicações do mercado doméstico. Ele calcula que um quarto dos investimentos estrangeiros no mercado futuro de juros doméstico, ou seja, pelo menos US$ 3 bilhões, foi resgatado nas últimas semanas por causa das incertezas em torno do futuro da política econômica. (AR e RB)