Título: Superávit pode ficar abaixo da meta em março
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Brasil, p. A4

A política fiscal voltou a preocupar economistas de consultorias, bancos e corretoras. Em março, o superávit primário acumulado em 12 meses deve cair abaixo de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) - a meta oficial deste ano -, o que não ocorre desde maio de 2004. O quadro pode piorar mais nos meses seguintes, num cenário formado por forte crescimento dos gastos públicos e expansão mais fraca da arrecadação. O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, estima que o indicador tenha recuado para 4,16% do PIB em março, devendo atingir 3,9% do PIB em julho. Por enquanto, os analistas ainda acreditam no cumprimento da meta em 2006, mas dizem que aumentou o risco de que isso não ocorra. Primeiro, porque este é um ano eleitoral, o que intensifica a pressão por crescimento de despesas. Além disso, o governo já contratou maiores gastos para os próximos meses, como os decorrentes do impacto do reajuste do salário mínimo sobre a Previdência. De outubro para cá, as contas públicas tiveram forte deterioração, com o superávit primário (resultado antes do pagamento de juros) recuando de 5,15% para 4,38% do PIB em fevereiro. Montero estima que os números de março, a serem divulgados no fim deste mês, vão mostrar uma economia para pagar juros de R$ 8,7 bilhões. É um número melhor que os R$ 4,7 bilhões de fevereiro, mas muito mais inferior aos R$ 12,3 bilhões de março do ano passado. Desse modo, haverá uma queda significativa do superávit primário acumulado em 12 meses, porque um mês com desempenho forte (março de 2005) será substituído por outro com performance pior (março deste ano). A economista Giovanna Rocca, do Unibanco, lembra que apenas o pagamento de juros sobre o capital próprio aos acionistas da Petrobras em março deve impactar negativamente o superávit primário em R$ 1,2 bilhão. Como a empresa é responsável por 70% do resultado das estatais, é um fator a mais para jogar o saldo para baixo. Em abril, é possível que haja nova queda no acumulado em 12 meses, pois o resultado observado no mesmo mês de 2005 foi muito forte, de R$ 16,3 bilhões. Num ano eleitoral, é normal que padrão de gastos do governo seja mais uniforme ao longo do ano, com muitas despesas se concentrando no primeiro semestre. A legislação impede a contratação de novas obras a partir de julho. Isso explicaria em parte o mau desempenho observado no primeiro bimestre deste ano, período em que o superávit primário foi de apenas 2,4% do PIB, muito abaixo dos 5,3% do PIB do mesmo período do ano anterior. Além disso, houve gastos pontuais, como o pagamento de precatórios pela Previdência, que apenas em janeiro totalizaram R$ 1,2 bilhão. Todas essas ressalvas, porém, não melhoram o quadro fiscal daqui para a frente, segundo Montero. Para ele, vários fatores contribuem para que o resultado continue a piorar até o terceiro trimestre: o aumento forte dos gastos no fim de 2005, "que afetará o resultado acumulado em 12 meses até que o período seja substituído pelo quarto trimestre deste ano"; o calendário eleitoral, que leva o governo a gastar mais no começo do ano e a economizar do fim; e a perseguição de uma meta bem menor que os 4,84% do PIB alcançados no ano passado. Montero ressalta ainda que o governo se comprometeu com aumentos significativos de gastos em 2006. O maior deles é o aumento do salário mínimo, que deve elevar as despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de 7,6% para 7,9% do PIB. Esse impacto só vai afetar as contas públicas a partir de maio, como lembra a economista Mônica Mora, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O reajuste do salário mínimo vale a partir de abril, mas as aposentadorias e pensões com o novo valor só serão pagas em maio. A economista Débora Nogueira, da Rosenberg & Associados, lembra ainda que a arrecadação de impostos está crescendo a um ritmo bem inferior ao dos gastos. "Desde novembro, a taxa média de crescimento da arrecadação em relação ao mesmo mês do ano anterior foi de 3%, ante um aumento médio de 10% das despesas", resume ela. Nesse cenário, consultorias e bancos vão acompanhar com ainda mais atenção os resultados mensais das contas públicas. Montero acredita no cumprimento da meta de 4,25% do PIB, mas diz que isso não é "algo trivial" como em outros anos. Outro problema é que o orçamento que sai do Congresso tem muitas "bondades" patrocinadas pelo próprio governo federal, como o reajuste do salário mínimo e a correção da tabela de Imposto de Renda, o que dificulta contingenciar (segurar estes gastos). Há, além disso, uma nova equipe econômica assumindo o Ministério da Fazenda, lembra ele. Embora o novo secretário do Tesouro, Carlos Kawall, tenha reafirmado o compromisso fiscal do governo , a tarefa não é fácil, especialmente em ano eleitoral. Débora também diz que há o risco de não cumprimento da meta - possibilidade que já existia mesmo se o ministro da Fazenda fosse Antonio Palocci. O mercado vai olhar com lupa os números daqui para frente também pelo fato de Guido Mantega não ser visto como tão comprometido com uma política fiscal austera. Mesmo tendo contingenciado verbas quando foi ministro do Planejamento. Por isso, dependendo dos resultados das contas públicas dos próximos meses, é possível que haja alguma volatilidade no mercado por causa do desempenho fiscal, afirma Débora.