Título: Ipea defende adoção de idade mínima para aposentadoria
Autor: Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Brasil, p. A5

Depois de seis anos de vigência, a Lei do Fator Previdenciário, fórmula de cálculo criada no governo Fernando Henrique Cardoso para estimular os segurados a retardar a sua aposentadoria, por meio da redução do valor pago a quem se aposenta antes de atingir determinada idade, começa a ser contestada. Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugere a sua revogação e recomenda, em seu lugar, a adoção de idades mínimas para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda aposentadorias. Esse critério já está em vigor para os servidores públicos. No Senado, três comissões aprovaram proposta do senador Paulo Paim (PT-RS) para acabar com a lei. São indiscutíveis os avanços fiscais que a Lei do Fator proporcionou. A análise empírica do Ipea comparou os períodos 1995-1998 (anterior à Lei do Fator) e 1999-2004. Houve forte reversão no fluxo anual de concessão de aposentadorias por tempo de contribuição. A média anual caiu de 339,8 mil para 136,2 mil. Para este ano, o estudo calcula em R$ 1,6 bilhão a economia que a Lei do Fator garante às contas da Previdência. O Ipea também verificou significativa elevação da média de idade dos aposentados. Para os homens, ela subiu de 54,3 anos para 56,9 anos. Para as mulheres, aumentou de 49,7 anos para 52,2 anos. O tempo médio de contribuição subiu. Para as mulheres, saltou de 27,5 anos para 28,7 anos. Para os homens, de 32,7 anos para 33,8 anos. A lei também desacelerou fortemente o crescimento do estoque de benefícios. No período 1995-1998, a taxa era de 11,2% ao ano. Caiu para 2,2 % ao ano no intervalo 1999-2004. A conseqüência foi a diminuição da despesa previdenciária total em um ponto percentual ao ano. O trabalho, coordenado por Guilherme Delgado, da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea, reconhece os aspectos fiscais positivos da Lei do Fator, aprovada em novembro de 1998 para vigorar em 1999. Mas, por outro lado, aponta os prejuízos no que se refere aos interesses dos segurados. A lei segue o movimento contrário ao da justiça distributiva na seguridade social. Também não permite ao segurado a possibilidade de um planejamento de longo prazo, já que a tabela de expectativa de vida do brasileiro, usada para o cálculo da aposentadoria, é elaborada ano a ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Regras de longo prazo têm de ser previsíveis. A Lei do Fator é muito positiva no aspecto fiscal, mas é perversa para os segurados. Portanto, é desequilibrada", diz Delgado. Outro aspecto que ele levanta é sobre a aposentadoria das mulheres. O valor do fator, constata, é sempre menor para as mulheres. Apesar de elas poderem se aposentar com cinco anos a menos de contribuição que os homens, na fórmula do fator esse bônus se converte em ônus. "As expectativas de sobrevida das idades menores são sempre maiores. O seu efeito é rebaixador do índice do fator e, assim, do valor da aposentadoria das mulheres", diz o estudo. No Senado, as comissões de Constituição e Justiça (CCJ), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS) já aprovaram o projeto de lei do Senado (PLS) nº 296 de 2003, que revoga a Lei do Fator e não põe nada no lugar. "Acredito que as propostas de revogar a Lei do Fator não são apenas oportunismo político. Também revelam falta de compreensão sobre a fórmula. O fator é justo porque devolve às pessoas o que elas pagaram nas contribuições", analisa o consultor e ex-ministro da Previdência José Cechin. Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso sofreu uma marcante derrota política no Congresso. O texto de uma emenda constitucional previa idades mínimas para que o INSS concedesse aposentadorias. No placar do plenário da Câmara, por um único voto contrário, do deputado tucano Antonio Kandir, a norma foi rejeitada. A solução para evitar que uma bomba-relógio explodisse nas contas da Previdência foi aprovar a Lei do Fator. A complicada fórmula do fator parte da renda média, que é multiplicada pelo tempo de contribuição. Esse resultado é multiplicado pela alíquota de contribuição (0,31%) e depois é dividido pela expectativa de vida. O valor final também é influenciado por uma taxa de juros que remunera as contribuições do passado. O objetivo principal da lei foi alcançado, ao desestimular as aposentadorias precoces. A rigor, estabelecer a idade mínima para que as pessoas se aposentem depende da aprovação de uma emenda constitucional. Mas há, segundo Delgado, uma solução mais simples. Bastaria alterar a fórmula do fator para considerar a idade mínima no cálculo. Antes da lei, o estoque de benefícios crescia rapidamente. Mas a norma reduziu de 5,2% para 4,2% ao ano a taxa de evolução da despesa previdenciária total. "Voltar ao regime anterior, sem o freio do fator e sem a limitação da idade mínima, é uma proposta inconseqüente", diz Delgado. Cechin condena as propostas do senador Paim e também a sugestão do Ipea. Diz que a melhor solução seria aperfeiçoar a fórmula do fator, para aplicá-la a todas as pessoas. Essa fórmula, para Cechin, devolve ao aposentado o que ele pagou e, portanto, "é justa". As três mudanças que Cechin defende para melhorar a legislação são: calibrar a alíquota, excluir "contagens fictícias" de contribuições e ajustar o cálculo da expectativa de vida. Quanto à atual alíquota de 0,31%, Cechin explica que a conta do fator poderia ser decomposta em duas. A primeira, de 0,24%, seria aplicada aos casos de aposentadoria. Para os pedidos de benefícios por doença, invalidez ou morte, a alíquota seria de 0,7%. A segunda proposta muda o peso do tempo de contribuição. Atualmente, são considerados o que ele chama de "tempos fictícios" para mulheres e professores, cujo período de contribuição é cinco anos menor. Ele quer que esses tempos fictícios sejam simplesmente eliminados do cálculo. A terceira mudança pretende melhorar o cálculo da expectativa de vida do brasileiro médio. Atualmente, o IBGE calcula a vida média de toda a população. Cechin sugere que sejam considerados, para efeito de aposentadoria, apenas os segurados do INSS, ou seja, aqueles que trabalham, contribuem e têm rendimento. O ex-ministro compara a sua proposta com a do Ipea (adotar idade mínima) e mostra que aperfeiçoar a fórmula é manter uma norma justa e mais flexível. Fixar idades mínimas seria, segundo sua opinião, dar mais rigidez ao sistema. Outro alerta que ele faz é sobre qual idade mínima adotar. Para ele, 55 anos para mulheres e 60 anos para homens, é pouco. "A atual longevidade da população brasileira quebraria a Previdência. O mais adequado seria uma idade mínima acima dos 65 anos", diz.