Título: Paraguai atrai interesse brasileiro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2006, Brasil, p. A2

Há um local para as indústrias brasileiras onde os impostos são muito mais baixos, o custo de mão-de-obra é bem menor e a boa vontade do governo, grande. Esse lugar tem o pequeno inconveniente de falar outra língua e de ter sua imagem desgraçadamente ligada à corrupção, ao contrabando e à pobreza. Após pesar vantagens e desvantagens, sem arroubos ideológicos ou utopias regionais, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) engajou-se no projeto do governo brasileiro, de atrair investimentos e comércio para esse lugar, o vizinho Paraguai.

"O Paraguai tem energia abundante, o que favorece investimentos de indústrias eletrointensivas", acrescenta o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca. Comentário semelhante fez o bilionário mexicano Carlos Slim, no início do mês, ao visitar o Paraguai a convite do governo local, após anunciar a intenção de investir US$ 60 milhões no sistema de telefonia local. A localização geográfica do país e suas reservas hidrelétricas, com as gigantescas hidrelétricas de Itaipú e Yaciretá, tornam o país chave para a integração energética do continente, afirmou Slim.

Além disso, lembra Gianetti, no Brasil, mesmo com as reduções na taxa básica do BNDES, a TJLP, é alto, em torno de 12%, o custo financeiro dos investimentos - máquinas, equipamentos e instalações. Instalada no Paraguai, uma empresa brasileira pode importar equipamentos com juros internacionais (Libor) mais 1%, em empréstimos do mesmo BNDES, calcula Gianetti.

Ele contabiliza um aumento de até 40% no custo dos equipamentos para as indústrias, provocado pela pesada malha de impostos brasileira. Importando equipamentos brasileiros para o Paraguai, o investidor se livra de impostos, e, somados custos como o frete, os encargos sobre esses esses investimentos mal passam de 6%.

Embora o salário mínimo lá seja bem maior que no Brasil, de US$ 200, a média salarial dos empregados na indústria pouco ultrapassa esse patamar baixo, o que torna bem menor o custo de mão-de-obra no país vizinho. E a corrupção? As dificuldades institucionais? "Se a gente estivesse na Suíça, certamente ir para o Paraguai faria uma grande diferença, mas não é muito diferente do Brasil", ironiza o pragmático dirigente da Fiesp.

-------------------------------------------------------------------------------- Vizinho sofre assédio de Chávez --------------------------------------------------------------------------------

Gianetti, como os diplomatas entusiastas de uma maior aproximação com o Paraguai, defende que só o estímulo à economia vizinha e aos vínculos bilaterais pode permitir ao Brasil facilitar o aperfeiçoamento institucional no depauperado país vizinho.

Na sexta-feira, a Fiesp abrigará, com o Ministério do Desenvolvimento, um seminário e uma roda de negócios para falar de casos de sucesso de firmas brasileiras no Paraguai e das vantagens oferecidas por aquele país aos investidores. Os paraguaios, cerca de 30 empresários, de 13 setores, tentarão convencer os compradores brasileiros de que são competitivos especialmente na venda de têxteis, inseticidas, saponáceos, desodorantes, sucos (abacaxi, laranja e outros cítricos), extratos de tomate, lácteos e essências vegetais.

O governo estimula esse esforço em seu programa de substituição competitiva de importações, feito para privilegiar fornecedores dos países vizinhos. Com o Paraguai, a intenção é mudar o sinal do comércio bilateral, que hoje tem um saldo de quase US$ 640 milhões a favor do Brasil. Como resultado do seminário com a Fiesp, o governo quer saber, por exemplo, por que, embora o Brasil tenha importado, em 2005, US$ 655 bilhões em inseticidas e outros venenos contra pragas, apenas US$ 336 mil desse total tenha sido em compras do Paraguai, país que exportou, no ano passado US$ 11,6 milhões desse tipo de mercadoria.

Parte das razões do pequeno comércio de alguns produtos está nas barreiras não-tarifárias criadas pelos sócios maiores do Mercosul aos produtores paraguaios, segundo lamenta o adido comercial da embaixada do Paraguai em Brasília, Igor Pangrazio. "As travas surgem de repente, e barram produtos nas fronteiras", comenta o especialista, citando casos como o de exportações de sucos de frutas retidas por 20 a 30 dias à espera de pareceres da Anvisa (isso antes da greve dos fiscais, que bloqueou de vez certos produtos).

O Paraguai tem incentivos fiscais, inclusive para remessas de lucros, e um programa de "maquilas" que favorece a produção, no país, de produtos intensivos em partes e peças importados. No seminário da Fiesp, estarão três empresas brasileiras, a Tubopar, a Tecnomyl e a Florestal Alto Paraná, que se aproveitaram lucrativamente das vantagens concedidas pelos paraguaios. O exemplo mais conhecido, da Tubopar, subsidiária da Tigre em sociedade com empresários locais, o faturamento no Paraguai é pequeno, de quase 1% do total da empresa. Mas foi o trampolim para a internacionalização da Tigre, hoje com fábricas na Argentina e Chile.

Os esforços para incrementar o apoio ao Paraguai, até hoje mais retóricos que práticos, se dão sob uma pressão que promete crescer sobre os interesses do Brasil na América do Sul. Na semana passada, o agitado presidente da Venezuela, Hugo Chávez, esteve no Paraguai, para discutir projetos energéticos na região. Em um país onde cresce o ressentimento contra o Brasil e o Mercosul, Chávez derramou-se em promessas de apoio. E anunciou sua definitiva saída da Comunidade Andina das Nações, para mergulhar intensamente no esforço de integração da Venezuela ao Mercosul.

Embora seja difícil imaginar como Chávez compensaria o mercado eventualmente perdido na Colômbia para produtos venezuelanos como aço, o gesto do venezuelano indica que fica cada vez mais distante o tempo em que o Brasil, pelo tamanho e dinamismo de sua economia, tinha como garantida sua hegemonia no Cone Sul. Se os brasileiros não cuidarem também dos interesses dos vizinhos, outros o farão. E isso pode se dar em oposição aos interesses do Brasil na região.