Título: Mercado de entregas espera decisão do STF
Autor: Carmen Lígia Torres
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2006, Especial, p. F2

Na falta de um marco regulatório claro e definido, um imenso e variado mercado constituído por, no mínimo, 15 mil empresas de cargas expressas, aguarda a votação de dois juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá pela quebra ou não do monopólio da ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Sergio Zacchi / Valor Everton Machado, diretor dos Correios: entregas alcançam 40 milhões de 51,7 milhões de domicílios de todo o Brasil

O processo, que se encontra em fase de julgamento, começou em novembro de 2003, quando a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed) entrou diretamente no STF com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para questionar a exclusividade exigida pela ECT não só no mercado de cartas e de telegramas, como também das polêmicas correspondências agrupadas. Com base nesse último item, que dá margem a remessa/entrega de mercadorias anexadas a quaisquer cartas, a estatal está querendo o monopólio de um segmento que movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano e está em franca expansão.

Dos onze ministros do STF, quatro entendem que o monopólio deve ser mantido nas correspondências agrupadas. Além disso, eles avaliam que a exclusividade de operação deve estender-se para as remessas de correspondências e mercadorias para o exterior. Entre os sete restantes, dois são favoráveis à abertura de mercado. Dessa forma, caso mais dois deles sejam a favor do monopólio, os Correios saem vitoriosos e colocam, dessa forma, todo o universo de empresas privadas do setor na clandestinidade. Ainda não há previsão de data para a conclusão do processo de votação.

"O mundo todo está abrindo o serviço postal e, no Brasil, está sendo discutido justamente o contrário", argumenta Antonio Sílvio Juliani, diretor do Sindicato Nacional das Empresas Expressas (Sineex).

De fato, no Reino Unido, em toda a União Européia, na Alemanha e no Japão o serviço postal está em fase de abertura de mercado. A estatal inglesa Royal Mail detinha 99% do serviço postal até janeiro deste ano. Na Alemanha, o monopólio vale para correspondência de até 100 gramas até o final de 2007, quando deverá ser eliminado. No Japão, o ano de 2007 também é o limite para a reorganização do serviço postal. No âmbito da União Européia, os países-membros comprometeram-se a abrir o mercado até o ano de 2009.

No Brasil, os Correios detêm 83% do mercado, e movimentam diariamente cerca de 35 milhões de volumes, com faturamento de R$ 8,6 bilhões. Possui 108 mil funcionários. O restante do mercado é operado por cerca de 15 mil empresas brasileiras de portes variados, entre eles as pequenas empresas de motofretes, e mais 10 multinacionais, incluindo gigantes como FedEx, DHL, UPS e TNT.

O movimento para as empresas internacionais é estimado em US$ 120 milhões, com transporte diário entre 12 mil e 15 mil volumes. Estima-se que as brasileiras transportem 5 milhões de volumes por dia e faturem R$ 1,2 bilhão por ano, empregando 1,2 milhão de pessoas.

As empresas privadas, por meio de suas instituições, acreditam que os Correios representem uma concorrência desleal para o segmento que já é altamente disputado. "Não somos contra a atuação dos Correios, apenas reivindicamos que as regras sejam as mesmas tanto para as operadoras privadas como para eles", diz Juliani, do Sineex.

Há muitas reclamações de falta de isonomia de tratamento operacional, tributário e fiscal. Para o transporte em médias ou longas distâncias, os Correios não enfrentam problemas operacionais que comprometem a agilidade e trazem custos extras para as operadoras privadas, como as barreiras fiscais, nas aduanas estaduais.

"Os processos de tributação variam de Estado para Estado e são, em geral, morosos", explica Urubatan Helou, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga do Estado de São Paulo. Segundo ele, chega a haver filas de até 12 horas nessas fiscalizações. Em caso de problemas fiscais, o transportador arca com o ônus de manter a carga em seu poder, como fiel depositário, até a resolução dos problemas. "É um prejuízo irrecuperável".

Na distribuição urbana, a dispensa dos veículos dos Correios do rodízio é outro ponto de reclamação. "Cerca de 20% de nossa frota fica comprometida, o que exige gastos extras em veículos para mantermos os compromissos com os clientes", explica Adalberto Panzan, presidente da Associação Brasileira de Logística (Aslog).

Panzan acredita que os Correios estejam utilizando benefícios cujo sentido é respaldar operações de cunho social para atuar em segmentos que não têm nada de social. "Está havendo uma distorção de finalidade na utilização de benesses, em prejuízo de um setor privado regular e idôneo", acredita ele.

Em meio ao fogo cruzado, os Correios preferem silenciar e restringir o debate aos pleitos judiciários. "Falamos em exclusividade e não em monopólio", diz Everton Machado, diretor de operações dos Correios. Para a empresa, seu direito de exclusividade está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 21 - inciso X. Conforme a mesma legislação em vigor, carta é o objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário.

Everton Machado acrescenta que a empresa decidiu não se pronunciar publicamente a respeito desse tema. "Acreditamos que a questão está sendo tratada no Supremo Tribunal Federal, que é o órgão mais apropriado para isso".