Título: Empresas já colhem os primeiros resultados da recuperação judicial
Autor: Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Em 2004, depois de 36 anos produzindo balas e biscoitos, a Indústria de Produtos Alimentícios Cory fechava as portas. Nada menos que 1.350 funcionários que trabalham nas duas unidades da empresa - uma em Ribeirão Preto, em São Paulo, e outra em Arceburgo, em Minas Gerais, perdiam seus empregos. A fabricante de marcas conhecidas como as balas Icekiss, Chita e Lilith, sufocada por uma dívida de R$ 109 milhões, permaneceu por quatro meses com os portões lacrados por determinação judicial. A situação perdurou entre fevereiro e maio daquele ano, quando em junho a Cory reverteu no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) a falência decretada e voltou ao estado de concordata. Hoje, com 620 funcionários, a empresa retomou as atividades e reestruturou sua dívida, a ser paga em 15 anos. A situação foi possível graças à migração obtida na Justiça que permitiu transformar a concordata em recuperação judicial. Se ainda estivesse na concordata a empresa teria que saldar seus débitos em um prazo de dois e não teria como elaborar um plano de recuperação de longo prazo.

A Cory, que no ano passado faturou R$ 80 milhões, é um exemplo de que, apesar de toda a burocracia relatada por especialistas, do custo para se montar um plano de recuperação judicial e da dificuldade de negociação com a diversidade de credores, a nova Lei de Falências - em vigor desde junho - tem sido uma alternativa viável para muitas empresas. "A aprovação do plano de recuperação trouxe um alívio para todo mundo", afirma Walter Marquart, proprietário da Dental Gaúcho, empresa fundada em 1944 e que teve um plano de recuperação aprovado pelos credores em janeiro deste ano. A distribuidora de produtos odontológicos, com sede em Barueri, em São Paulo, negociou uma dívida de R$ 25 milhões com as três classes de credores a ser paga em até dez anos. A empresa também adotará um novo modelo de negócio, a partir do uso de franquias, a ser concluído em 12 meses. Segundo Marquart, manter o funcionamento da empresa antes da aprovação do plano foi um dos grandes desafios. "Até explicarmos o que planejamos e contornar a dificuldade de abastecimento foi bem complicado", afirma.

Marcelo Tommasi, sócio e coordenador da área de finanças corporativas da empresa que desenvolveu o plano da Dental Gaúcho, a Terco Grant Thornton, explica que o plano - elaborado em aproximadamente 45 dias - contou com a participação de dez profissionais de diversas áreas, como advogados e contadores. Além disso, foram realizadas duas reuniões com os principais credores antes da proposta ser apresentada ao Poder Judiciário. Em todo esse processo, diz, a participação de um negociador contratado foi essencial. "A comunicação e a transparência, julgo que são as questões mais importantes em todo o processo", diz Tommasi. O plano foi aprovado na primeira assembléia com mais de 90% de adesão das classes (trabalhadores, fornecedores e bancos). E, segundo ele, que não detalha valores, teve um custo superior a R$ 100 mil, fora os honorários dos profissionais. "Agora é a retomada dos negócios, que é lenta e gradual, mas não há mais a pressão dos credores", afirma Marquart.

No caso da Reiplás, fabricante de fios e cabos elétricos de São Paulo, a grande dificuldade - também relatada por outras empresas em recuperação - foi costurar um acordo que atendesse as expectativas de credores tão diversos. "A negociação envolveu desde o pequeno fornecedor do refeitório até o grande banco", afirma Fábio Bartolozzi Astrauskas, sócio da Siegen, consultoria responsável pela elaboração do plano de recuperação da empresa. Segundo a nova Lei de Falências, para a aprovação do plano tem peso não apenas o valor a ser recebido pelo credor, mas também o número de representantes das classes na votação.

Superada a negociação, a empresa conseguiu aprovar em fevereiro uma proposta que prevê o pagamento da dívida de R$ 35 milhões em até dez anos. Os credores menores poderão receber a totalidade antes desse prazo. O plano aprovado, que ainda aguarda a homologação da Justiça, prevê o uso da capacidade ociosa da empresa, que será preenchida ao longo dos próximos dez anos. A empresa também estava na concordata e migrou para a recuperação em julho do ano passado. Por isso, segundo Astrauskas, na prática a Reiplás acabou tendo um prazo maior para desenvolver um plano, cerca de cinco meses, mais os dois meses que a lei estabelece para a apresentação da proposta após o pedido de recuperação. A operação envolveu cinco profissionais diretos (economista, contador, dois administradores e um profissional de RH) e dez indiretamente.

Dentre as funções da Siegen no processo foram incluídas a promoção de seminários cujo objetivo foi o de explicar aos funcionário o que estava ocorrendo na empresa e o que era o plano de recuperação. Ao todo foram três reuniões, que também tiveram a função de manter os funcionários motivados, já que eles poderiam ser abalados pela possível quebra da empresa. Astrauskas não fala do valor pago pela empresa para desenvolver o plano, mas fala que o custo varia muito conforme o porte da empresa, o tempo para elaborá-lo e a complexidade dos produtos da empresa, do mercado e o tamanho da dívida. Ele cita, porém, o caso de um cliente com faturamento de R$ 20 milhões do qual foi cobrado R$ 50 mil para a elaboração de um plano, feito em 90 dias.

A Brasfio Industria de Comércio do Nordeste, empresa também de fios e cabos elétricos de Catende, em Pernambuco, também desenvolveu um pré-plano e realizou assembléias informais com os credores para elaborar um projeto que atendesse aos dois lados antes de ir ao Judiciário. "A lei antiga não permitia a pré-negociação e dispensava o mesmo tratamento para todos os credores", diz o advogado Nelson Marcondes Machado, que desenvolveu o plano da empresa, que migrou da concordata. Segundo ele, os grandes credores receberão em até seis anos, parte dos pequenos foram pagos à vista e outros aceitaram máquinas como forma de pagamento. O passivo da empresa é de R$ 35 milhões. "Apesar dessa flexibilidade é difícil ter um plano que atenda a todos", diz. Por isso, Machado afirma que é imprescindível a conversa anterior com os credores para não ter o risco do plano ser reprovado. Cerca de dez profissionais da própria empresa auxiliaram o advogado no desenvolvimento da proposta, aprovada em fevereiro.

Ao contrário da maior parte das empresas, que têm adotado a pré-negociação, a Wosgrau, madeireira de Ponta Grossa, no Paraná, apresentou o plano de recuperação somente na assembléia de credores. A exportadora tem uma dívida de R$ 20 milhões com fornecedores e bancos e conseguiu um prazo de quatro anos para quitar o débito e uma carência de dois anos para os credores com garantia real e de um ano para os quirografários. O plano, formulado pela Martinelli Advocacia, conforme o advogado Oséas Aguiar, teve um custo de R$ 50 mil e prevê a venda de ativos e o corte geral de despesas. Há também a previsão de reduzir o mix de produtos da madeireira. "Havia produtos que eram fabricados apenas para manter o cliente, mas cujo custo era alto", diz.