Título: Reforma do sistema de cotas gera polêmica
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2006, Finanças, p. C8

Já começou durante o fim de semana a polêmica sobre a proposta de reforma de cotas no FMI feita pelo diretor-gerente Rodrigo Rato e aprovada pelos ministros de Finanças. Depois de anos pressionando por mudanças, o governo brasileiro passou à defensiva, temendo perder espaço no organismo. A maior parte dos países em desenvolvimento, incluindo Brasil, Índia e Argentina, colocou-se contra o aumento imediato de cotas para alguns países sub-representados antes da definição mais clara de uma reforma que inclua o recálculo das cotas para todos.

Estariam incluídos na primeira fase de aumento imediato de cotas a China e Coréia do Sul, e ainda há dúvidas sobre a presença de países latino-americanos como México ou Brasil. As propostas serão elaboradas pelo diretor-gerente nos próximos seis meses e apresentadas na reunião anual do Fundo, em setembro, em Cingapura. Os baixos índices de crescimento da América Latina em relação à Ásia fizeram a região perder participação no PIB mundial. Dados do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, indicam que a participação da América Latina no PIB mundial é de 7%. Como o direito de voto brasileiro é de apenas 1,5% hoje, haveria algum espaço para elevação para até 3% - o percentual exato do Brasil dependerá do critério que o FMI adotar para atribuir peso às economias mundiais.

No sábado, antes que o Comitê Financeiro e Monetário Internacional anunciasse apoio à proposta de Rato, o ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, disse que não concorda com a idéia de elevar primeiro o direito de voto de alguns países e só depois chegar a uma fórmula de cálculo das cotas, com data indefinida. "O problema é fazer um aumento inicial só para alguns países e deixar para uma segunda fase a discussão da fórmula de cálculo das cotas. Em princípio queremos que as duas fases ocorram ao mesmo tempo", disse Mantega. "Temos que ficar alertas para a definição dos critérios que serão usados, para evitar que haja alguma diminuição do poder do Brasil". Países da América Latina e África temem que a proposta sirva apenas para aumentar o poder de países asiáticos no organismo.

Além de Mantega, também reclamaram a ministra da Argentina, Felisa Miceli, e o presidente do banco central indiano, Yaga Reddy. "Duvido que a legitimidade do FMI vai melhorar se três dos quatro muito aclamados BRIC's (iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China) tenham suas cotas reduzidas, ainda que por um curto período", disse Reddy. Os três países defendem que o aumento da cota só deve ser feito se já houver acordo em relação ao resultado final da reforma em termos de recálculo das cotas de todos os países. Durante o fim de semana, o secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, recuou no apoio americano à proposta de Rato, dizendo que só pode haver aumento imediato de participação de alguns países se houver acordo em relação ao resultado final da reforma como um todo.

Até mesmo alguns países europeus querem ter sua cota aumentada, como a Alemanha e Suécia, cujo tamanho da economia hoje é maior do que no último ajuste de cotas. Foi aprovada também a proposta de criação de uma linha de crédito emergencial para substituir a antiga Contingency Credit Line (CCL), embora com críticas de alguns países desenvolvidos. A linha dará acesso a até 300% da cota do país, terá menos exigências de condições a serem cumpridas. Mas só terão acesso países cujo histórico de política macroeconômica for pré-aprovado.

Outra proposta de Rato também foi duramente criticada durante o fim de semana - a criação de um mecanismo de fiscalização multilateral. A idéia é envolver vários países na discussão de políticas econômicas de países considerados "sistêmicos", cuja economia tem influência em nível mundial. O exemplo mais citado é o da China - especialmente em relação a sua moeda subvalorizada. A partir de agora, o FMI terá um mecanismo multilateral de avaliação dos problemas destes países, e Rato quer que os resultados da avaliação sejam públicos.

A China disse apoiar a criação do mecanismo, mas desde que sejam consideradas também as políticas de países desenvolvidos ligados ao problema (no caso específico, o déficit de conta corrente americano). "Cada país tem o direito de escolher o melhor sistema cambial, consistente com seu desenvolvimento econômico", rebateu o presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan. Ele pediu, ironicamente, mais fiscalização sobre os "hedge funds". O presidente do banco central da Índia disse que não deveriam ser publicadas avaliações sobre taxas de câmbio que o FMI considera "de equilíbrio" para mercados emergentes, porque isso poderia provocar nervosismo nos mercados.

De qualquer maneira, o mecanismo de consulta multilateral não poderá forçar países a mudar suas políticas econômicas, como o Fundo fez com os emergentes em crise na década de 90. "Hoje o FMI não tem mais o poder sobre os países que estão causando desequilíbrios, porque eles não precisam de dinheiro do Fundo. Não há muito mais o que fazer além de recomendações", disse o ministro Guido Mantega. (TB)