Título: BC traça um panorama otimista da economia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Opinião, p. A14

Se depender das projeções do Banco Central, a margem para possíveis atritos entre os ortodoxos da instituição e o resto do governo tem grandes chances de minguar. Em seu relatório trimestral de inflação, divulgado na semana passada, o BC manteve projeção de crescimento de 4% para a economia em 2006, a mais otimista das previsões disponíveis no mercado. Por outro lado, deixou claro que a inflação está domada e que, nas condições presentes, ela já está abaixo do centro das metas de inflação previstas para este ano e o próximo. Isto é, há espaço considerável para futuras reduções da taxa Selic ao mesmo tempo em que a economia alça vôo. O BC já foi bombardeado por seu pessimismo em relação à capacidade de crescimento da economia e pode estar exagerando na dose do otimismo agora. Entretanto, suas projeções indicam que a atual dose de juros, de 16,5%, ainda deixa um belo espaço para quedas no futuro. No relatório trimestral, as autoridades monetárias apresentaram dois cenários. O de referência leva em consideração a Selic atual e um câmbio de R$ 2,15. Com isso, no último trimestre do ano os preços estariam correndo a uma velocidade de 3,7% em 2006 e 3,9% em 2007, significativamente abaixo dos 4,5% do centro da meta atual. Para o cenário de mercado, o BC, tomando por base previsões de instituições financeiras no boletim Focus, e taxas distintas para o câmbio nos dois anos, chegou a resultados também positivos. Em dezembro, a inflação atingiria 4,6% em, no fim de 2007, 5,4% - ainda assim abaixo da registrada no ano passado, de 5,69%. Essas projeções podem igualmente mostram que a dose de juros foi exagerada, embora o BC entenda que isso não é verdadeiro, já que, mesmo com ela, a inflação ficou algo distante dos 4,5% perseguidos. O mercado parece destoar do BC, talvez pelo mesmo motivo. Ele não acredita que os juros cairão abaixo de 14,7% em dezembro de 2006 e 13,5% em 2007, razão pela qual não só aponta um crescimento do PIB inferior ao projetado pelo BC em 2006, de 3,5%, como contam com um avanço ainda ínfimo em 2007, para 3,7%. De qualquer forma, o BC sinalizou na última reunião do Copom, e reafirmou a crença no relatório de inflação, que aproxima-se a hora em que será atingida a taxa de juros de equilíbrio e que, em nome da prudência, é preferível realizar mais e menores cortes ao longo do ano do que ser contundente e rápido nas reduções programadas. Os motivos para isso são o fôlego do crescimento da economia, que já teria começado a crescer em dezembro de 2005 e teria dado mostras de continuidade em fevereiro. Ao contrário da maioria das atas do Copom, o BC vê um cenário positivo nesta expansão e aponta a ausência de desequilíbrios entre oferta e demanda, o que é benigno para a trajetória da inflação. Há um grande número de fatores que estão empurrando a economia para a frente, como o aumento real dos rendimentos e da massa salarial, potencializado por uma expansão consistente do crédito, que atingiu em janeiro a marca de 31,1% do PIB, recorde em muitos anos. Após o desastre do terceiro trimestre de 2005, que jogou o PIB do ano para 2,3%, o BC enxerga o fim do acúmulo de estoques por parte da indústria e sua recomposição, nutrida pelo aumento constante das vendas no varejo, especialmente positiva para os bens de consumo semiduráveis e não-duráveis. Essa recuperação já estaria ganhando novos impulsos e terá um novo estímulo com a entrada em vigor do novo salário mínimo. Pela primeira vez, o BC menciona, no relatório trimestral, os efeitos expansionistas dos gastos públicos, que chama de "impulsos fiscais", "ocorridos no último trimestre do ano passado e os esperados para primeiro semestre do ano". Há dúvidas no mercado sobre a rapidez e a intensidade do crescimento. Apesar de o BC ver uma expansão generalizada no quarto trimestre de 2005, os números do PIB mostraram um recuo da produção industrial a cada trimestre. Os investimentos se recuperaram apenas modestamente no último trimestre. Há espaço para redução mais rápida da Selic, aberto, além disso, pela queda dos preços monitorados, que causaram quase a metade do IPCA observado em 2005. O aperto exagerado de 2004/05 abriu uma zona de conforto razoável para a queda dos juros que poderia ser utilizado agora, quando as ameças inflacionárias estão na lona.