Título: Mercado Comum em marcha a ré
Autor: Matthew Lynn
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Opinião, p. A15

Antes do euro, a União Européia (UE) tinha outro grande projeto econômico que pretendia dar um empurrão no morno crescimento da região. A idéia tinha um nome - Mercado Comum Europeu - e quem se recorda de 1992, o ano em que deveria entrar em vigor, recordará o animado falatório em torno de sua implementação. E como vai ele? Não muito bem. Lembrando uma intrincada catedral medieval, o Mercado Comum é um edifício que está levando décadas demais para ser concluído. Na verdade, neste momento, ele parece estar andando de marcha a ré. A UE deveria estar insistindo para o processo ser concluído rapidamente. Isso daria um impulso imediato ao crescimento. Poderia também contribuir para que o euro funcionasse melhor do que agora. Teoricamente, o Mercado Comum foi uma ótima idéia. O plano previa um rompimento das barreiras nacionais que se colocavam como obstáculos a negócios internacionais na Europa. Seria possível fundar uma empresa em Palermo, na Itália, e negociar com alguém em Edinburgo tão facilmente quanto com um vizinho ao lado. Até mesmo a menor das empresas teria acesso a um mercado com mais de 350 milhões de pessoas. Derrubar barreira comerciais estimula prosperidade - isso é algo em torno do qual há consenso entre a maioria dos economista. O Mercado Comum deveria ter feito isso. O problema é que a coisa não funcionou como planejado. "Desde o ano passado, temos visto restrições explícitas ao livre mercado de controle empresarial", disse Hugo Robinson, um pesquisador do Open Europe, instituto de pesquisa e planejamento com sede em Londres, em entrevista por telefone. "O comércio entre países da UE está estagnado em termos relativos em comparação com o resto do mundo, algo que não aconteceria num mercado unificado que funcionasse adequadamente." Sem dúvida, restrições estão surgindo por toda parte. A UE formulou recentemente uma diretiva para o setor de serviços cuja intenção é abrir mercados em todo tipo de setor - da atividade de publicitários à de encanadores. Mas o acordo resultante foi tão diluído que podemos considerá-lo insignificante. Depois de pressões de sindicatos, o Parlamento da UE isentou da obrigatoriedade diversos setores - saúde pública, por exemplo - e aceitou o princípio de que, para entrar num mercado, um empresário precisa obedecer a legislação do país cujo mercado é alvo da empresa, e não apenas as do país de origem. Isso pode parecer um detalhe - na prática, porém, esses termos significam que a UE não terá, absolutamente, um mercado único de serviços. Por quê? Segundo as propostas originais, se você estabelecer uma agência de publicidade em Milão, desde que cumpra as leis e regulamentos italianos, poderia vender seus serviços em qualquer lugar da Europa. Agora, você terá de conhecer as regras de 25 países distintos e obedecer a todas elas. Seria difícil conceber um dissuasor mais eficaz do que esse contra iniciativas empresariais entre nações européias.

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O setor de serviços é relevante. Numa economia moderna, os europeus não prosperarão vendendo automóveis, sapatos ou aparelhos de TV uns aos outros. São os setores de consultoria, bancário, de mídia e de software que produzirão grandes ganhos. Economias ricas e avançadas baseiam-se em serviços - e a UE, na prática, acabou de aceitar que o conceito de mercado comum não se aplica a esses setores. Ainda mais grave é a inexistência de uma Constituição da UE, rejeitada nos referendos na Holanda e na França. Um mercado único necessitaria um referencial legal comum, o que permitiria prevalecer sobre legislações nacionais. A Constituição poderia ter sido um ponto de partida para isso. Ao contrário, o clima nos eleitorados na UE tende a privilegiar menos a integração européia. O mercado de comando empresarial também está ficando restrito. Os franceses criaram uma lista de setores protegidos. Os espanhóis e franceses estão restringindo aquisições de suas companhias no setor energético. Até mesmo a Polônia, nova no jogo de driblar as regras da UE, está colocando objeções à aquisição de seus bancos. Também aqui não há grandes sinais de um mercado comum. E quanto às pessoas? Também nesse aspecto a teoria foi descartada, a julgar pelos limites que estão impedindo que trabalhadores europeus orientais venham para a Europa Ocidental. Que tipo de mercado comum é esse? Também externamente, barreiras estão sendo erguidas. Peter Mandelson, que está rapidamente se transformando no pior comissário de Comércio que a UE já teve, já aprovou restrições a importações de têxteis. Agora, ele está aplicando tarifas sobre calçados produzidos em países como a China e o Vietnã. Não surpreende que o comércio no interior da UE não cresça como deveria. "Para a UE como um todo, o comércio intra-UE está diminuindo como a participação no comércio de seus países membros", diz a Open Europe em análise recente. Para exemplificar com o Reino Unido: no fim de 2005, pela primeira vez, o comércio britânico com países da zona do euro foi superado pelo comércio com outros países. O fracasso da UE em concluir a implementação do mercado comum é relevante por duas razões. Em primeiro lugar, o Mercado Comum seria bom em si mesmo. Quanto mais barreiras comerciais você derruba, mais rápido é seu crescimento. Grandes empresas podem se beneficiar de economias de escala, baixando, assim, custos e preços. Companhias de pequeno porte podem crescer mais rapidamente. Nichos de atividades empresariais podem florescer em um mercado grande, mas definhar num mercado menor. Segundo, o euro precisa que o mercado único funcione adequadamente. Uma moeda comum compartilhada por 12 países precisa funcionar numa economia unificada - do contrário ela não pode funcionar. Em vez disso, as economias européias estão conservando-se obstinadamente nacionais. Isso explica por que o Banco Central Europeu (BCE) está tendo tanta dificuldade para praticar uma política monetária para a zona do euro. Talvez, antes de embarcar em planos adicionais de integração, a UE devesse concluir projetos que deveriam ter sido concluídos há mais de uma década.