Título: Real forte "empobrece" exportação de pedra preciosa
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Especial, p. A16

Nos corredores das lojas especializadas em pedras preciosas na cidade de Soledade, norte do Rio Grande do Sul, é comum encontrar clientes estrangeiros circulando com carrinhos de supermercado à procura de ágatas, ametistas, citrinos, calcitas, cristais e olhos-de-tigre, entre outras, todas com preços expressos em dólar nas etiquetas. Algumas peças pesam mais de uma tonelada, têm mais de três metros de altura e custam mais de US$ 10 mil por unidade, mas o movimento dos compradores e o brilho dos estoques escondem uma crise que asfixia o setor, provocando demissões e o fechamento de empresas desde o ano passado. A exemplo do que ocorre com outros setores de vocação exportadora, como o calçadista e o moveleiro, o vilão é o longo período de valorização do real, agravado pelo aumento da concorrência chinesa . Os embarques gaúchos de pedras em bruto, lapidadas ou transformadas em objetos de decoração recuaram 10% em 2005 na comparação com 2004, para US$ 50,4 milhões, indica o Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM). Em reais, a queda no faturamento chegou a 25%, devido à desvalorização do dólar no período e comprimiu ainda mais a rentabilidade das empresas. As vendas externas de pedras preciosas ainda são bastante modestas em comparação com as exportações de calçados e móveis do Rio Grande do Sul, que alcançaram US$ 1,3 bilhão e US$ 272 milhões em 2005, respectivamente. Mesmo assim, o impacto da crise é grande nas empresas, geralmente de pequeno ou médio porte, e também nos municípios que têm parte da economia assentada sobre o setor. A própria Soledade é um exemplo. Metade do PIB, de R$ 214 milhões, vem do beneficiamento e da venda de pedras preciosas e objetos trabalhados - cinzeiros, porta-copos, porta-jóias, pingentes, bolas de cristal, luminárias, esculturas e "capelas" de ametista. Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Joalherias, Mineração, Lapidação e Beneficiamento de Pedras Preciosas do Estado (Sindipedras), Ivanir Pedro Lodi, o Rio Grande do Sul produz principalmente ágatas, ametistas, citrinos, gipsitas e calcitas. As demais são compradas em outras regiões, em especial Minas e Bahia, ou importadas e depois revendidas, com ou sem beneficiamento. Cerca de 97% das vendas são para o exterior, a maior parte para a China - que muitas vezes beneficia e reexporta as pedras - e também para EUA e Europa, com destaque para França, Itália e Alemanha. "O mercado interno praticamente não existe para nós", afirma a secretária-executiva do Sindipedras, Jaqueline Mallmann. Ela atribui o fenômeno a uma questão "cultural" e ao fato de que grande parte da produção de bijuterias e jóias no país utiliza pedras sintéticas, feitas com vidro ou acrílico, ao invés de matérias-primas naturais. "As vendas são boas em algumas capitais e apenas poucos produtos, como porta-jóias e porta-copos, têm boa aceitação no país." Nos segmentos em que opera (pedras brutas, lapidadas e artefatos de pedra), o Estado fica logo atrás de Minas na disputa pelo posto de maior exportador do país. No ano passado, porém, enquanto as exportações gaúchas caíram 10%, as mineiras recuaram apenas 6%, para US$ 54,9 milhões, e os embarques de todo o Brasil tiveram ligeira alta, de 0,8%, para US$ 139,6 milhões. Se consideradas as vendas externas de jóias, diamantes, rubis, safiras, esmeraldas, ouro e outros metais preciosos, a cifra nacional sobe para US$ 834 milhões em 2005, 12% a mais do que em 2004. As principais áreas de mineração do Rio Grande do Sul estão nos morros e furnas das regiões de Ametista do Sul (que detém as maiores reservas nacionais de ametista), Salto do Jacuí e Lajeado, num eixo entre o Norte e o Nordeste gaúcho, mas em Soledade ficam 54 das 74 empresas filiadas ao Sindipedras. Por conta disso, a cidade foi também a que mais sofreu com a demissão, em 2005, de pelo menos 20% dos 1,5 mil empregados da indústria do setor no Estado. "Isso sem contar as pequenas empresas familiares que prestam serviços para as grandes", acrescenta o vice-prefeito e secretário de Indústria e Comércio de Soledade, Vitorio Beuren. De acordo com ele, metade das 300 empresas desse tipo existentes na cidade suspendeu as atividades em 2005. Incluindo mineração e varejo, o setor emprega perto de 10 mil pessoas no Estado. Os reflexos da crise na economia local não tardaram a aparecer. Conforme o presidente do Clube dos Diretores Lojistas (CDL), Jorge Augusto Vivian, as vendas no comércio da cidade recuaram 10% em 2005 na comparação com o ano anterior, forçando as empresas de varejo a cortar gastos e demitir pessoal. "Mesmo quem está trabalhando deixa de comprar porque tem medo de perder o emprego", comenta Vivian. "Quem anda pela cidade vê que o fluxo de clientes no comércio está menor." Além da crise no setor de pedras, Soledade sofreu com a quebra da safra de verão 2004/05 e com as dificuldades enfrentadas pelas indústrias calçadistas, que levaram a empresa Via Marte, de Nova Hartz, a fechar uma unidade com 600 funcionários em 2005. Segundo o diretor do IBGM, Edmundo Calhau, a excessiva vulnerabilidade à variação cambial é uma particularidade do Rio Grande do Sul, porque a participação das exportações sobre as vendas totais do Estado é bem maior do que a média nacional. De acordo com ele, em todo o país o setor formado por 16 mil empresas (a maior parte no varejo) com 500 mil funcionários faturou cerca de US$ 1,6 bilhão em 2005, sendo que apenas metade corresponde às vendas externas. "No segmento de jóias, o mercado interno representa 80% das vendas", afirma.