Título: Câmbio e crise agrícola afetam indústria do Paraná
Autor: Marli Lima
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Brasil, p. A3
Com crescimento de 103% nas vendas externas, a
O caso da Volkswagen ilustra parte do que está acontecendo com a indústria do Paraná. Segundo o IBGE, a produção industrial do Estado apresentou recuo de 7,4% em fevereiro, em comparação com igual mês do ano passado. Foi a oitava queda consecutiva. "O ânimo no Estado é negativo", afirma o presidente da Federação das Indústrias (Fiep), Rodrigo da Rocha Loures. "Esse câmbio é mortal e pode provocar danos irreversíveis."
Atualmente, a palavra desindustrialização, cujo efeito mais visível é a substituição da produção doméstica por importação, virou moda nas rodas de conversas de empresários paranaenses. Alguns indicadores contrastam com esse quadro. Levantamento da Secretaria Estadual da Fazenda mostra que a arrecadação de ICMS no primeiro trimestre registrou crescimento nominal de 13,8% -- e o maior aumento foi o da indústria, com alta de 19,7%. Com isso, a arrecadação foi de R$ 2,4 bilhões, 4,4% acima do esperado.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, também mostra aumento de contratação na indústria de transformação, de 1,34% no ano. Na opinião do secretário estadual da Indústria e Comércio, Virgílio Moreira Filho, é preciso ver setor por setor, porque a análise generalizada leva a erros. "A arrecadação aumentou porque cerca de 90% dela é gerada por apenas cem empresas, e o Estado tem outras 200 mil que são isentas (por serem pequenas e micro). Se tirarmos as estatais, as multinacionais e as empresas de monopólio, o resto está com problemas, e tudo leva a crer que as coisas vão piorar", diz.
Sem citar nomes, o secretário contou que a atual crise levou ao fechamento de oito empresas do segmento madeireiro, que registrou demissões de 5 mil trabalhadores nos últimos meses. Metade das receitas dessa indústria é proveniente das vendas ao exterior.
De acordo com o presidente da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal, Miguel Zattar Filho, "o setor vive um cenário dramático". Fabricante de compensado de pinus, o empresário afirma que a demanda e o preço internacional não estão ruins, mas houve perda de faturamento. "Estou queimando meu patrimônio para não perder mercado", diz ele, que é auto-suficiente em matéria-prima e exporta 100% da produção.
Montadoras de veículos e empresas da área de madeira não são as únicas com problemas. Segundo levantamento feito pela Fiep, o faturamento dos dois primeiros meses do ano foi negativo em 13 dos 18 itens pesquisados e, no bimestre, a soma das vendas reais ficou negativa em 0,15%, principalmente por conta de queda de 4,2% nas vendas para outros Estados brasileiros. A utilização da capacidade instalada da indústria manteve-se estável em 77%.
O segmento de vestuário, calçados e artefatos de tecidos lidera as perdas, com queda de 63,78% no bimestre em relação a igual período de 2005. "Por causa das importações, estamos vivendo um período de vacas magras", comentou o presidente do Sindicato do Vestuário de Curitiba e região, Ardisson Akel, referindo-se à competição com roupas vindas da China.
Matérias plásticas vêm em seguida, com perdas de 46,3%. O empresário Celso Gusso, dono da
Quem também tem boas expectativas por conta de 2006 ser ano eleitoral é a fabricante de máquinas para lavanderias
Quem acompanha a economia paranaense vê pontos que tornam o atual cenário especial para o Estado, que tem uma indústria jovem. Christian Luiz da Silva, coordenador do mestrado e do Núcleo de Pesquisa da UniFAE, explicou que a situação atual deve-se à estrutura produtiva, dependente do setor primário exportador, que, por sua vez, depende do câmbio e do preço internacional, sobre o qual o Estado não tem controle algum.
O professor José Luís Oreiro, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas da Universidade Federal do Paraná, avalia que o problema se deve a duas crises, a do câmbio e a do agronegócio, que perdeu com estiagem, redução no preço internacional de grãos, fechamento de mercados por causa da aftosa e queda do consumo de frango provocado pela gripe aviária.
"Aqui a conexão do agronegócio com a indústria é muito grande", disse Oreiro. Se a produção tem quebra, a renda cai e a indústria é atingida. Ele explicou, ainda, que a queda do dólar costuma trazer vantagens para quem importa matéria-prima ou com dívida atrelada à moeda, casos que não se aplicam à indústria do Paraná, maior produtor de grãos do país.
Uma das únicas vantagens que os fabricantes poderiam tirar do atual câmbio é a possibilidade de importar equipamentos para modernizar o parque fabril, mas eles reclamam da falta de financiamento. "A atual política econômica e fiscal é pró-rentista e antiempreendedora", acusa Loures, da federação das indústrias.
E, se trazer de fora em certos casos é mais barato que produzir aqui, alguns empresários já começaram a rever estratégias. O presidente do Sindimetal, Roberto Karam, contou que uma empresa da área de acessórios para móveis, com 450 empregados, comunicou que pretende deixar de produzir para virar revendedora de produtos chineses. Outra, do mesmo ramo, perdeu mercado para fornecedores da Argentina e do Uruguai e agora estuda a transferência da produção para o primeiro. As duas preferem não ser identificadas.
As importações estão aumentando, mas o mesmo tem acontecido com as exportações. No trimestre, as vendas externas cresceram 4,8% em dólar, chegando a US$ 10 bilhões, mas a receita em real (equivalente a R$ 24,27 bilhões, segundo a Fiep), foi 13,89% menor. Em 2005, lembrou a federação, o volume exportado pelo Paraná cresceu 6,6% em dólar em relação a 2004. Em reais, porém, a receita com essas transações caiu 12,49%.
E há mais gente querendo vender aqui. Na semana passada, empresários venezuelanos, junto com presidente Hugo Chávez, vieram ao Estado para apresentar seus produtos a industriais locais. A visita foi feita em retribuição à missão encabeçada pelo governador Roberto Requião (PMDB), em novembro, àquele país. O governo justificou que as exportações dos paranaenses para lá cresceram 550% entre 2003 e 2005 (chegando a US$ 185 milhões em 2005), enquanto no sentido contrário o aumento foi de 175% (alcançando US$ 7,78 milhões no ano passado).
Diante de todo esse quadro, a indústria está atenta às discussões sobre a criação de um salário mínimo regional no valor de R$ 437. O governo espalhou outdoors pelas ruas da capital para ganhar apoio à proposta, que divide opiniões. Para Loures, que defende a livre negociação, se esse valor for aprovado a competitividade das empresas poderá ser afetada, resultando em demissões e aumento da informalidade.
Hoje e amanhã, cerca de 2 mil industriais são esperados para o Congresso Paranaense da Indústria, que vai debater a melhoria da gestão e a competitividade do setor, por meio da educação, agregação de valor e inovações tecnológicas. No encerramento, será divulgada a "Agenda dos Assuntos Prioritários da Indústria Paranaense".