Título: Sergio Leo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Brasil, p. A4

O gasoduto Brasil-Venezuela-Argentina tem de ter a participação dos outros países da região, como Chile, Bolívia, Uruguai e Paraguai, dirá amanhã o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente Hugo Chávez, em reunião dos dois chefes de Estado com o presidente argentino, Néstor Kirchner, em São Paulo. Lula, hoje, recebe em Brasília o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, de quem ouvirá um apelo para que intervenha para evitar a implosão da Comunidade Andina das Nações (CAN). A CAN está ameaçada de dissolução, com a decisão de Chávez de retirar-se do bloco para ingressar no Mercosul. Sergio Lima / Folha Imagem Chávez, Kirchner e Lula, durante reunião na Granja do Torto, em janeiro: presidente brasileiro quer evitar que o gasoduto vire um foco de atrito com vizinhos

Chávez ameaça criar barreiras aos produtos da Colômbia e do Peru, a quem acusa de traidores por terem firmado acordos de livre comércio com os Estados Unidos. O venezuelano expôs sua decisão de esvaziar a CAN na semana passada, em jantar com Lula, com quem argumentou que a abertura aos produtos agrícolas subsidiados pelos Estados Unidos ameaçaria os produtores andinos. O anúncio de saída da CAN, feito na semana passada, agitou as embaixadas dos países andinos em Brasília, que levaram ao Palácio do Planalto apelos para que Lula tente demover Chávez da decisão.

Lula, segundo seus assessores, deve enfatizar o projeto comum de constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que uniria os países da CAN e Mercosul em um só bloco comercial e econômico. A ênfase nas discussões para constituição da Casa seria uma forma de tentar contornar a crise provocada pela opção do venezuelano pelo Mercosul. A incorporação plena da Venezuela ao bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai ainda depende de uma negociação sobre o futuro das tarifas de importação venezuelana e de setores sensíveis como o siderúrgico, hoje grande fornecedor de matérias-primas à Colômbia.

Hoje, em São Paulo, Lula terá um encontro com Kirchner, para discutir previamente a reunião de amanhã com Chávez. O encontro servirá, também, para fazer uma avaliação do estado das relações comerciais do Mercosul, onde o relacionamento entre os países-sócios foi prejudicado pelo crescente atrito entre os governos da Argentina e do Uruguai, devido à oposição dos argentinos à instalação de indústrias de fabricação de celulose no rio Uruguai, na fronteira dos dois países. Não há assunto previamente definido na agenda dos dois presidentes, e o chamado caso das "papeleras" só será tratado se o argentino abordar o assunto, diz um assessor do presidente.

A série de encontros desta semana mostra a decisão de Lula de marcar o último ano de gestão com uma forte presença na política externa regional. O projeto de construção do gasoduto entre Venezuela, Argentina e Brasil é uma das decisões de maior importância a serem tomadas nos próximos meses. Lula quer evitar, porém, que ele se torne foco de atrito com os vizinhos, especialmente a Bolívia, onde o projeto defendido por Chávez foi recebido como uma estratégia brasileira para reduzir o poder de barganha dos bolivianos em relação ao fornecimento de gás para o Brasil.

"Estamos trabalhando com o conceito de segurança energética, que implica diversificação de fontes de abastecimento", explicou o assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, que justifica o interesse pelo fornecimento de gás da Venezuela com as previsões de crescimento e aumento de consumo na América do Sul. "Queremos que a Bolívia participe dessa discussão, em todo o processo", confirmou o assessor, ao comentar o tema das conversas de Lula, Kirchner e Chávez.

Sobre o encontro com Uribe e o anúncio de Chávez, Garcia comenta que o governo brasileiro "não quer, de maneira nenhuma, implodir a CAN". As questões relativas ao ingresso da Venezuela no Mercosul serão discutidas por todos os sócios, comentou. "Todas as coisas no Mercosul são definidas por consenso", disse, ao garantir que não há receio no governo brasileiro de que os interesses do Brasil no Mercosul sejam confrontados pelo poder econômico conferido à Venezuela pelo petróleo do país.