Título: INPI quer anular patente do Viagra
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 04/04/2006, Legislação & Tributos, p. E1

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pediu na Justiça a nulidade da patente do Viagra - o remédio para disfunção erétil da Pfizer - no Brasil. O órgão federal, responsável pela concessão de marcas e patentes no país, entende que o laboratório farmacêutico extrapolou um benefício - denominado sistema "pipeline" - que teve durante a transição de leis que tratam do tema em meados da décadas de 90 e que permitia a simples validação de patentes farmacêuticas já concedidas em outros países. Se a Justiça aceitar os argumentos do INPI, qualquer laboratório brasileiro ou instalado no país passa a ter direito de produzir um genérico do Viagra. A questão judicial corre na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo e teve origem em uma briga entre os laboratórios Bayer, dona do Levitra, e Pfizer, e que tinha também como parte o INPI - daí a tramitação na esfera federal. A Bayer pedia a nulidade da patente do Viagra no Brasil com base no fato de a Inglaterra, lugar de origem do registro do remédio, ter anulado judicialmente parte da patente. Mas no meio do caminho, as duas empresas fizeram um acordo e desistiram do processo sem, entretanto, consultar o INPI. A procuradoria do órgão contestou o acordo porque, segundo o procurador-geral do INPI, Mauro Maia, a questão não envolve somente um interesse entre as partes. Por isso o instituto manteve o pedido de nulidade da patente. São dois os argumentos para justificar a nulidade, segundo Maia. E a explicação reside no sistema pipeline. Este sistema vigorou durante o ano de 1996, em um período de transição entre um sistema judicial que não permitia a concessão de patentes com a entrada em vigor da legislação de propriedade industrial. Nesse período de transição, o governo permitiu a concessão de patentes farmacêuticas e químicas sem a análise do mérito de inventividade ou inovação dos remédios. Para isso, bastava que a empresa já tivesse uma patente igual concedida em outro país. Assim, muitas empresas conseguiram, em menos de um ano, patentear remédios no Brasil, entre eles a Pfizer, com o Viagra. Mas não só a Inglaterra decidiu pela anulação da patente do Viagra - o que, para os procuradores do INPI, imediatamente traz a nulidade da patente no país - como o pedido apresentado pela Pfizer no Brasil era diferente do que previa a patente já concedida na Inglaterra. Maia diz que não há como tolerar que uma empresa que já tinha sido privilegiada com um grande benefício, a validação pura e simples da patente, usasse desse dispositivo sem observar as regras estabelecidas. E a principal regra violada foi pedir a patente do Viagra para uso em animais e homens, enquanto a patente inglesa previa apenas o uso em humanos. A Pfizer, por meio de sua assessoria de imprensa, informa apenas que tratam-se de dois pedidos diferentes de patentes. Um deles seria do princípio ativo inibidor da enzima PDE5, que em excesso no organismo causa a disfunção erétil. E a outra patente seria a da própria enzima. O advogado Otto Licks, do escritório Momsen, Leonardos, e que defende a Eli Lilly - dona de outro remédio do gênero, o Cialis - diz que a Pfizer estava testando um remédio para doenças cardíacas quando observou um efeito colateral, a potência masculina. Com base nessa descoberta, a farmacêutica fez uma engenharia reversa e descobriu a enzima que causava a disfunção e pediu a proteção não só do princípio ativo inibidor da enzima como da própria descoberta da enzima. "Mas não se pode patentear descobertas de como funciona o corpo humano", diz Licks. Com base neste argumento, foi pedida na Inglaterra a nulidade da patente. "A meu ver, toda a patente foi anulada porque não é possível que só parte da patente seja anulada", diz Licks. Por isso, o advogado fez um pedido de homologação de sentença estrangeira no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se ele for aceito, a patente do Viagra passa a ser nula no Brasil, mesmo que o pedido do INPI não seja aceito. Alguns advogados que defendem a Pfizer dizem que não houve a nulidade completa da patente na Inglaterra, somente do ponto da patente que pedia o registro da enzima PDE5.