Título: Venda interna não compensa perda na exportação
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2006, Brasil, p. A4

O câmbio valorizado afetou o desempenho, no primeiro trimestre do ano, de boa parte das empresas mais dependentes das vendas externas. A relativa estabilidade do mercado interno não foi suficiente para compensar as perdas dos fabricantes de calçados, têxteis e de máquinas para a indústria madeireira, entre outros setores. A indústria calçadista é uma das mais atingidas pelo real valorizado. Com a necessidade de promover novos reajustes em dólar para dar conta dos aumentos de custos em real, os produtos brasileiros já não são mais caros apenas do que os chineses, mas também começam a ultrapassar os preços dos calçados fabricados em países como Espanha e Portugal, explica o gerente de mercado externo da Via Uno, de Novo Hamburgo (RS), Jadir Bergonci. Segundo ele, as exportações caíram cerca de 10% no trimestre, depois que a empresa teve de fazer um reajuste de 20% a 25% nos preços em dólar. Ele prevê queda de até 20% nos embarques ao exterior em 2006. Já no mercado interno, onde a empresa registrou alta de 2% no ano passado, o primeiro trimestre de 2006 foi igual ao mesmo período de 2005, contrariando expectativas preliminares, que projetavam crescimento de 3,5%. Segundo o diretor-presidente da Calçados Azaléia, Antônio Britto, "todo o setor" segue reduzindo as exportações e os volumes não são absorvidos pelo mercado interno, mas a empresa somente terá uma "visão mais clara" da demanda doméstica dentro de 40 a 50 dias. No ano passado, as vendas da Azaléia caíram 5,7% no mercado interno e 25,5% no mercado externo. Para o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, as exportações do país podem cair até 50 milhões de pares neste ano. Em 2005, o Brasil exportou 189 milhões de pares, 23 milhões a menos do que em 2004. Só no primeiro bimestre deste ano, os embarques recuaram 5,3%, na comparação com o mesmo intervalo do ano passado, para 38 milhões de pares. Em valores, os embarques tiveram alta de 3,3% nos dois primeiros meses do ano, para US$ 340,4 milhões em função da elevação dos preços médios dos produtos de US$ 8,21 para US$ 8,95 o par. No acumulado do primeiro trimestre, a alta foi de 3,2%, para US$ 504 milhões. No setor têxtil, as vendas das indústrias do Vale do Itajaí (SC) ficaram estáveis no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período de 2005, segundo o presidente do Sintex, o sindicato das indústrias da região, Ulrich Kuhn. "É um desempenho ruim", diz Kuhn, que projeta um ano com rentabilidade pior para as exportadoras e cenário de juros altos no mercado interno. Na avaliação do executivo, o setor deverá ter um ano de pouco incremento nas vendas, acompanhando, "na melhor das hipóteses", o crescimento da economia. A falta de otimismo está relacionada à entrada de artigos chineses e ao câmbio, que, segundo ele, não deve se alterar ao longo de 2006. "O acordo com a China, que entrou em vigor nesta semana, traz a vantagem de tornar mais claro o tamanho do problema nos próximos anos, mas mesmo com o acordo, a participação chinesa no Brasil vai aumentar. E quanto pior o câmbio, menos impacto tem o acordo", afirma Kuhn. Na Cativa, indústria têxtil fabricante das marcas OP e Fido Dido, o cenário foi diferente. As vendas no primeiro trimestre cresceram 20% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. "Foi surpreendente. Mas isso aconteceu porque estava preocupado que pudesse ser ruim e tracei estratégias ", diz o presidente da empresa, Gilmar Sprung. Entre as mudanças feitas, ele destaca prazo maior de pagamento, que passou de 90 dias para 150 dias, e premiação para os vendedores. Segundo Sprung, o bom primeiro trimestre, no entanto, poderá não ser parâmetro para o resto do ano, ainda comprometido com o dólar desvalorizado e juros altos. Para o presidente do Sindicato das Indústrias Cerâmicas de Criciúma (SC) e região (Sindiceram), Luiz Alexandre Zugno, a produção no primeiro trimestre ficou estável em relação ao mesmo período do ano passado. O problema maior, segundo ele, foi a baixa rentabilidade, já que a produção é basicamente voltada ao mercado externo. A preocupação dos empresários da região de Criciúma é com os próximos meses, quando o setor costuma sair do período sazonal de poucas vendas, compreendido justamente no primeiro trimestre. Não se sabe como o mercado vai reagir frente ao excedente de exportação que está sendo colocado no varejo brasileiro pelas empresas exportadoras neste início de ano. Algumas indústrias chegaram a demitir funcionários no primeiro trimestre, mas não um volume significativo. Há empresas que estudam parar linhas de produtos menos rentáveis e isso poderá gerar novas demissões nos próximos meses. Em Pernambuco, a Netuno, maior exportadora nacional de pescados, teve um primeiro trimestre dentro das previsões. "Nos primeiros três meses deste ano tivemos um crescimento de 20% sobre os volumes registrados no mesmo período de 2005. Chegamos a 4,5 mil toneladas de pescados operados em nossa zona industrial", afirma o diretor de Marketing e vendas da Netuno, Eduardo Lobo. (Colaborou Paulo Emílio, de Recife)