Título: Pressão salarial ameaça elevar preços na Argentina
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Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Internacional, p. A13

O governo argentino vai enfrentar nesta semana um teste importante em sua estratégia de limitar os reajustes salariais para evitar que esses aumentos tenham impacto sobre a inflação.

As autoridades estabeleceram um teto de 19% de aumento para os trabalhadores dos setores público e privado, materializado em um acordo assinado no início do mês entre o governo e Hugo Moyano, presidente da central sindical CGT, a mais importante do país. O pacto, que se aplicou para o sindicato dos caminhoneiros, vem servindo de referência para outras negociações salariais.

Uma categoria-chave, entretanto, ameaça minar a estratégia oficial de controle de preços e salários. Os trabalhadores das indústrias de alimentos exigem aumentos de 30%, e as tentativas de fechar um acordo na semana passada fracassaram. O sindicato da categoria anunciou que nesta semana vai fazer piquetes nas entradas das principais fábricas para pressionar os empresários do setor.

O resultado da negociação salarial no setor de alimentos pode ter influência sobre a estratégia oficial de combate à inflação. A principal ferramenta usada pelo governo para conter o aumento do Índice de Preços ao Consumidor tem sido os acordos de preços, mas as empresas concordaram em assiná-los com a condição de que eles poderão ser revisados se houver alteração nos seus custos.

Um dos problemas potenciais na negociação desta semana é que o líder dos trabalhadores das empresas de alimentos é Rodolfo Daer, um ex-dirigente da CGT que é rival de Moyano e que pode tentar recuperar projeção.

Além dos trabalhadores da indústria de alimentos, um dos sindicatos que representam os funcionários públicos também rejeitou a oferta do governo que previa 19% de aumento.

A cifra de 19% é considerada pelas autoridades e por analistas locais como o limite para que os aumentos não tenham impacto efetivo sobre a inflação, o problema se torna complexo justamente porque a expectativa de inflação em alta faz com que aumentem as demandas por correções salariais.

Segundo levantamento da consultoria SEL, especializada em questões trabalhistas, até março deste ano o poder de compra do salário real dos trabalhadores do setor privado não-agrícola era 2,6% inferior ao da época da conversibilidade. A cifra mostra que o salário dos trabalhadores argentinos que tem carteira assinada já está perto de recuperar as perdas com a desvalorização, mas a desvantagem salarial dos que não são registrados e atuam no setor público é maior.

No ano passado, a Argentina registrou uma inflação de 12,3%, e o índice acumulado nos três primeiros meses deste ano é de 2,9%. Na semana passada, o FMI divulgou suas previsões para a economia mundial, e afirmou que a taxa de inflação na Argentina deve ser de 12,9% em 2006. Para o ano seguinte, o Fundo prevê um incremento adicional de 15%.

No documento divulgado durante sua reunião de Primavera, semana passada em Washington, a entidade evitou criticar os acordos de preços e salários, mas disse que o combate à inflação deve contar com estratégias adicionais, como um aumento do superávit fiscal, incremento nas taxas de juros e valorização do peso, a moeda local.

Em contraste, a ministra da Economia, Felisa Miceli, defendeu em Washington a estratégia oficial e disse que ela é " incompreendida " por muitos analistas. Também afirmou que o " Fundo deve ser parte da solução, não dos problemas " , em uma crítica à atuação da instituição durante a crise de seu país.