Título: 'Senador brasileiro' na Itália quer favorecer as relações econômicas
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Internacional, p. A13

Foi no tapetão, mas o Brasil ganhou da Argentina uma vaga no Parlamento italiano. Após uma verificação de votos, Eduardo Pollastri, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Itália, ficou com a vaga inicialmente atribuída a uma candidata argentina. Economista, ele pretende promover a aproximação entre pequenas e médias empresas dos dois países. Ricardo Benichio/Valor Eduardo Pollastri, radicado no Brasil, que foi eleito para o Senado na Itália

Pollastri, de 73 anos, nasceu em Alessandria (norte da Itália), e vive no Brasil desde 1975. Aqui, ele foi presidente da Visconti. Atualmente preside ainda a associação de câmaras de comércio italianas no mundo (são 72 em 46 países).

Eleito pela vitoriosa coalizão de centro-esquerda, ele apoiará o governo do próximo premiê, Romano Prodi. Como a maioria do governo no Senado é de apenas duas cadeiras, provavelmente ele poderá se ausentar pouco de Roma.

Esta foi a primeira vez que italianos no exterior elegeram representantes para o Parlamento. Pollastri ficou com uma das duas vagas de senador na circunscrição da América do Sul. "Você pode não acreditar, mas não sei nem qual é o salário. Não me informei ainda", disse com forte sotaque italiano.

Leia abaixo entrevista do senador Pollastri ao Valor.

Valor: O que faz um senador de uma circunscrição estrangeira?

Pollastri: Tenho um programa muito claro, de promoção da relação Itália-Brasil, particularmente para a pequena e média empresa, nas quais as câmaras de comércio são mais especializadas. Pelos números, o intercâmbio Itália-Brasil é muito, muito aquém do desejável. Estou imaginando joint-ventures entre empresas italianas e brasileiras, para enfrentar a globalização. O desafio mundial é muito grande para nossas empresas, italianas e brasileiras. Quanto mais criarmos sinergia, tanto mais podemos sair vencedores desta luta.

Valor: A sua coalizão, que elegeu o premiê Prodi, é dividida...

Pollastri: ...bastante dividida.

Valor: Fala-se que o governo...

Pollastri: ...não dura muito. Isso eu não sei dizer. A Itália está acostumada a ter governos que duram pouco. O último, de [Silvio] Berlusconi durou cinco anos, mas normalmente temos crises de governo freqüentes na nossa democracia.

Mas o singular da Itália é que a economia sempre foi um pouco independente da política. As crises de governo não afetavam ou afetavam pouco o desenvolvimento econômico da Itália, que cresceu e se tornou uma das primeiras potências do mundo. Ultimamente, isso parece ter mudado. Espero que esse governo consiga entender a necessidade de ter um programa único e que não haja divisões entre os vários partidos. Eu vou tentar ajudar.

Valor: O sr. virá muito ao Brasil?

Pollastri: Imagino que farão um regulamento especial para os que foram eleitos no exterior, dando prazo para que eles voltem aos países de origem, para que sintam os problemas das comunidades. Mas é a primeira vez para a Itália [a eleição de representantes do exterior], está tudo para ser feito ainda.

Valor: Há polêmica na Itália, e também entre brasileiros que têm a nacionalidade italiana, sobre a pertinência do voto no exterior. Muitos brasileiros deixaram de votar por não quererem influir num processo político de que são alheios?

Pollastri: É verdade, há a idéia de não interferir no que é visto como política italiana, da Itália. Mas a realidade é que a Itália tem, fora da Itália, um mundo, que representa um grande recurso. Foram os italianos no exterior que difundiram a moda, o design italianos. Eles são promotores do que a Itália tem. Então, é preciso manter esse contato. Por outro lado, isso permite aos italianos que estão no exterior participar das conquistas sociais da Itália, a aposentadoria, os direitos civis. Eu creio que devemos participar, é muito justo.

Valor: A Itália atravessa uma crise econômica séria. O que fazer?

Pollastri: Há reformas que são comuns a vários países, como a redução da dívida pública. Mas os últimos dados sobre o primeiro trimestre na Itália são já animadores. Acredito que os italianos precisam ter mais confiança, capacidade de se internacionalizar, de serem agressivos como foram seus pais.

Valor: Mas os pais não tiveram de concorrer com a China, a Ásia?

Pollastri: A China, além de um grande vendedor, é também um grande comprador. A Itália tem criatividade em alguns setores tecnológicos, de excelência. Tem de concorrer não no preço, mas na originalidade, na qualidade dos produtos. Para isso, há espaço.

Valor: A presença econômica italiana no Brasil estagnou?

Pollastri: Sim, fora grandes empresas como a Fiat, há um recuo. Muitas vezes é falta de comunicação, de apresentar oportunidades, que não estão só nas comunidades italianas, mas no Brasil inteiro. É preciso mais informações. A economia brasileira não é tão conhecida como a gente imagina.

Valor: Em 2005, o Brasil recebeu a primeira visita de um chanceler italiano em dez anos. Isso não mostra uma relação fragilizada?

Pollastri: Exatamente. Quando o ministro [Gianfranco] Fini chegou, eu disse a ele uma só palavra: finalmente. É uma vergonha demorar tanto. Mas a Itália, por motivos históricos, políticos, não sei precisar, sempre teve mais relações com a Argentina. E se não tivéssemos eleito pelo menos um representante no Brasil, seria ainda pior.