Título: Petróleo ainda ameaça boa fase da economia mundial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Opinião, p. A14

A economia mundial caminha em ritmo intenso para o seu quarto ano de crescimento acima de 4%, segundo as últimas previsões do Fundo Monetário Internacional. A expansão está mais disseminada, menos dependente do desempenho das economias americana e chinesa, e deverá ser maior do que as expectativas correntes no fim de 2005. Ao mesmo tempo em que o FMI despejava previsões otimistas, o petróleo voltava a bater recordes, acompanhado por um rali nos preços das commodities, que também atingiram picos de valorização. Até que ponto o mundo pode continuar com um crescimento quase exuberante com seu principal insumo apontando para cima, secundado por matérias-primas vitais, sem que a inflação comece a preocupar? Essa é uma das principais inquietações que emergem de um cenário benigno.

Os preços do petróleo se movem, mais uma vez, empurrados pela perspectiva de uma crise política entre os países desenvolvidos e o Irã sobre o desenvolvimento de seu programa nuclear. A esse combustível se soma o fato de que desde o início da escalada das cotações do óleo os estoques globais não cresceram e permanecem perigosamente ajustados à oferta. A disseminação da onda de expansão econômica para mais países da Ásia, como o Japão, e para outros emergentes, como Índia e Rússia, tende a reforçar as pressões altistas. Até agora, o avanço das cotações não provocou surtos inflacionários relevantes nas economias desenvolvidas, mas nada garante que isso não possa ocorrer. As previsões do FMI indicam uma variação média de 14,8% no preço do petróleo este ano, após alta de 41,3% em 2005. Elas sugerem que os preços em geral continuarão comportados, elevando-se em 2,3% (o mesmo percentual do ano passado) nas economias desenvolvidas e 5,4% nos países emergentes.

Os efeitos sobre os preços do "boom" do petróleo e de várias commodities industriais têm sido contornados pelo avanço ininterrupto da produção chinesa, que tem inundado o planeta de produtos baratos e freado a inflação. O baixo crescimento europeu e a estagnação japonesa criaram capacidade de produção ociosa, que deverá se esvanecer. Com a recuperação americana, os estoques da principal economia do mundo foram ajustados e a produção precisará se expandir. Há condições para isso, segundo atesta o Fundo Monetário. As empresas têm hoje em caixa globalmente algo como US$ 1,3 trilhão para investir. Uma nova onda de investimentos, além dos efeitos positivos, terá impacto sobre os preços das matérias-primas e poderá ser parcialmente abortada se as taxas de juros continuarem a subir para impedir que a inflação se mantenha sob controle.

Os mercados já vêm mostrando inquietação a cada índice de inflação dos EUA. Os preços ao consumidor em doze meses chegaram a bater nos 3,9% em janeiro e hoje estão em 3,4%, mas o núcleo da inflação, que o Fed, o BC americano, leva em consideração para suas ações, tem ensaiado um aumento - situa-se em 2,1%, no limite da zona de perigo. As interpretações de que o Fed encerrará seu ciclo de alta com mais um reajuste da taxa de juros, para 5%, pode ser correta, porém para uma situação que não mais prevalece. É provável que o Banco Central Europeu volte a elevar as taxas e o Banco Central japonês saia do juro zero em meados do segundo semestre. Esse movimento começa a transparecer nas taxas dos Títulos do Tesouro dos EUA de dez anos, que romperam a barreira de 5%.

É natural e previsível que as taxas de juros subam após se manterem por três anos nos seus mais baixos níveis em meio século. É também previsível que um período de liquidez excessiva deixe uma herança inflacionária e bolhas de ativos de razoável magnitude. No caso da inflação, isto não ocorreu até agora e boa parte da explicação está na formidável capacidade de produção chinesa. A grande incógnita é se mais países crescerem mais rapidamente o freio antiinflacionário até agora existente será eficiente. Trata-se de um bom problema, já que a perspectiva é de crescimento, e cujos desequilíbrios podem nem ser drásticos nem exigirem mais que uma política monetária sensata. Há riscos no horizonte, mas hoje o Brasil já não tem constrangimentos externos relevantes. Uma redução do crescimento da economia mundial, entretanto, seria uma notícia ruim para todos.