Título: O retorno do emprego formal
Autor: Marcio Pochmann
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Opinião, p. A14

Prevaleceu, ao longo da década de 1990, a recorrente tese a respeito da incapacidade do setor industrial brasileiro elevar o nível de emprego. De certa forma, a evolução do mercado de trabalho, por si só, parecia conceder razão aos ideólogos do fim do emprego industrial.

Somente nos anos 90, por exemplo, a indústria de transformação reduziu em mais de 14% o total de suas ocupações, o que equivaleu ao corte médio anual de quase 140 mil postos de trabalho, conforme sistematização de dados do IBGE (PNAD e censo demográfico). Se comparado com o desempenho da indústria de transformação dos anos 80, a diferença no comportamento do emprego industrial fica ainda mais nítida.

Naquela oportunidade, houve a incorporação média anual de 282 mil novos trabalhadores no setor industrial, com a elevação de 41,3% no nível total de suas ocupações. Por conta disso, a participação da indústria de transformação no total da ocupação passou de 14,4%, em 1979, para 15,8%, em 1989.

Diante da redução do nível ocupacional do setor da indústria de transformação nos anos 90, ela chegou a representar, em 1999, apenas 12,1% do total da ocupação do país. Como esse mesmo fenômeno de queda na participação do setor industrial na ocupação total também se encontrava em curso nas economias mais avançadas, o Brasil tornou-se palco para a ação de praticantes da mitificação.

Dentro do contexto extremamente desfavorável para os trabalhadores dos anos 90, alguns especialistas de plantão não perderam tempo em vaticinar o fim do emprego formal por decorrência do anacronismo da legislação social e trabalhista. Tal como na década de 1920, o desemprego e o trabalho informal voltaram a ser identificados como passíveis de serem resolvidos com ações exclusivas no interior do mercado de trabalho.

Assim, por exemplo, o desemprego passou a ser reconhecido fundamentalmente por sua natureza voluntária. Ou seja, o algoz da ausência de trabalho ou a existência de ocupação informal (precária) seria a própria vítima, na medida em que ela deixava de se preocupar com as novas exigências de qualificação ou, ainda, recusava-se a aceitar a maior flexibilização das relações de trabalho e a redução do custo de contratação.

Em síntese, não havia escassez de emprego, nem baixa qualidade dos postos de trabalho. Tratava-se tão somente da reduzida qualidade profissional da oferta de mão-de-obra ou da alta resistência laboral à desregulamentação do mercado de trabalho.

Essa ideologia difundiu-se aos quatro cantos do país, impondo inédita derrota à classe trabalhadora e aos operadores da regulação pública do trabalho no Brasil. Em nome da decretada morte do emprego formal, sacramentou-se a maior investida - desde 1930 - contra os direitos sociais e trabalhistas.

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A queda no emprego industrial foi identificada pela visão dominante como contemporânea do avanço tecnológico. Nesse sentido, inclusive, os indicadores de produtividade no setor industrial (produção física por empregado) foram justamente utilizados discricionariamente para comprovar o seu avanço superior aos 5% ao ano.

Em síntese, as inferências ideológicas terminaram influenciando, na maioria das vezes, a constituição de mais mitos que a realidade da década de 1990 poderia sustentar. Comparar níveis de produção industrial que praticamente não cresciam em termos agregados, tendo em vista a substituição de parcela da produção nacional por importados, com indicadores de queda significativa do emprego industrial podia mostra tudo, menos o essencial: o processo acelerado de terceirização ocupacional (flexibilização) e a desindustrialização nacional.

No entanto, desde a mudança do regime cambial, em 1999, a indústria de transformação voltou a reagir, diante das oportunidades de elevação das exportações e, sobretudo, da contenção das importações. Os índices de crescimento da produção industrial se mostraram melhores, ainda que fossem muito inferiores ao verdadeiro potencial de expansão.

Aos incrédulos, basta acompanhar a performance do setor industrial em outros países (China, Índia, Coréia, entre outros) que não se satisfazem com o receituário da ortodoxia financista que domina o Brasil. Até o Chile, para dizer o mínimo, registra desempenho considerável no setor industrial, com importantes avanços no emprego nesse setor.

Mesmo assim, o Brasil apresenta crescimento tanto absoluto como relativo do emprego industrial. No ano de 2004, por exemplo, a indústria de transformação alcançou o maior volume ocupacional de sua história, sendo de 21,4% superior ao ponto máximo que havia sido em 1989. Se comparado com o ano de 1999, o Brasil aumentou o total da ocupação em quase 3,5 milhões de novos postos de trabalho industriais até o ano 2004.

Com acréscimo médio de cerca de 700 mil empregos por ano, a indústria de transformação voltou a aumentar também a sua participação relativa no total da ocupação. Em 2004, a indústria de transformação representou 13,9% da ocupação total, ante 12,1%, de 1999.

Nos últimos cinco anos, a cada três novas ocupações criadas no país, uma passou a ser originária do setor industrial. Como se pode observar, a ocupação industrial de hoje é bem distinta da dos anos 90, quando o mito pretendeu superar a realidade.

Ao invés da tese do fim do emprego industrial, assiste-se ao retorno do engrandecimento da ocupação industrial, especialmente com carteira assinada. Em resumo, Keynes continua atual. Em havendo aumento da produção, o nível de emprego tende a acompanhar positivamente, salvo excessos à regra geral da boa macroeconomia.