Título: 'Si no me quieren, me voy', diz Eike
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2006, Especial, p. A16

Caso persistam as ameaças do presidente da Bolívia, Evo Morales, contra o projeto siderúrgico da EBX, o empresário brasileiro Eike Batista, controlador da empresa, deve anunciar o cancelamento dos investimentos de US$ 330 milhões no país vizinho. Ontem, Batista disse ao Valor que prometeu a prefeitos e líderes comunitários de Puerto Suárez, Puerto Quijarro e Germán Busch, esperar até sexta-feira, dia 28, para anunciar uma decisão definitiva. Mas uma frase mostrava seu estado de ânimo: "Si no me quieren, yo me voy. Me voy para casa ", disse em espanhol. Nelson Perez/Valor Dissabores na Bolívia: o empresário Eike Batista, cuja empresa EBX entrou em choque com o governo de Evo Morales

Depois, em português, explicou um tanto desanimado: "Estou respeitando esse prazo como costumamos respeitar tudo. Já mandamos todos os documentos para o governo atual, estamos dispostos a mostrar tudo na maior transparência. E, se a decisão até sexta for essa, que assim seja. Somos muito grandes para entrar pela porta de trás de um país, como foi dito várias vezes. Isso é uma brincadeira".

Batista calcula que a desistência de construir um pólo de ferro-gusa na Bolívia significará uma perda entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões para a EBX holding, equivalente a cerca de 3% do patrimônio da empresa, segundo o empresário. O montante se refere aos gastos já realizados com obras civis e para desmontar o material. A perda só não será maior porque o forno já instalado poderá ser retirado, sendo reinstalado em Corumbá. A previsão anterior é que o segundo seria instalado em junho, e outros dois em setembro e dezembro.

Se o empresário efetivamente desistir do projeto - ou for expulso pelas autoridades bolivianos -, a Bolívia perde a oportunidade de gerar 6 mil empregos, uma siderúrgica de US$ 148 milhões e uma aciaria de US$ 180 milhões. Além desses investimentos, a EBX também planejava comprar 100 mil hectares de florestas com certificado para virar fronteira agrícola.

"Queríamos colocar a Bolívia no mapa siderúrgico mundial", diz Batista. "No entanto, estou pagando 500 anos de trauma contra empresários que exploraram o país nesse período e virei um bode-expiatório. É uma coisa surrealista."

O projeto da siderúrgica previa a construção de uma usina que usaria minério de ferro importado da mina 63, propriedade da MPX no Mato Grosso do Sul, com reservas de 80 milhões de toneladas, para fabricação inicialmente de ferro-gusa e, depois, ferro-esponja na Bolívia. Como combustíveis seriam usados coque importado da Colômbia, gás natural da Bolívia e 800 mil toneladas/ano de carvão vegetal. A EBX tem contrato para comprar 340 mil metros cúbicos de gás com a Petrobras Bolívia para suprir o consumo inicial.

A produção inicial prevista é de 800 mil toneladas por ano de ferro-gusa, totalmente destinado voltado à exportação; e uma aciaria com capacidade de produzir 400 mil toneladas de aço na fronteira.

Como a Bolívia consome apenas 180 mil toneladas anuais de aço, o excedente de 220 mil toneladas seria exportado, o que, pelos cálculos de Batista, iria gerar US$ 400 milhões em divisas para o país vizinho. Agora, ele diz que vai tocar os investimentos anteriormente previstos no lado brasileiro.

"Não podendo fazer lá, faço do lado de cá. A única mudança é que meu forno não vai usar gás e, por isso, meu custo será maior", explicou Batista, frisando que no momento todos os custos do projeto estão em revisão. Outros projetos que podem ser cancelados no rastro da decisão boliviana são as duas térmicas do Pantanal, que seriam construídas na Bolívia e no Brasil. Como a sua holding MMX está no início de uma oferta pública inicial, Batista faz questão de frisar que todos os ativos dessa companhia estão no Brasil e não têm relação com a crise da Bolívia.

A Bolívia acusa a EBX de uma série de irregularidades na sua localização e na licença ambiental. "Não posso crer que o embaixador do Brasil, o presidente Lula e algumas instâncias do país possam defender empresas que não respeitam as leis bolivianas", disse o presidente Morales, em entrevista ao programa Roda Viva, que seria exibida na noite de ontem.