Título: Mão-de-obra ilegal nos EUA
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2006, Opinião, p. A15

Qual deverá ser a reação dos países ricos às pressões em favor da imigração de trabalhadores não-especializados provenientes de países pobres? Um visitante dos EUA rapidamente descobrirá ser essa, hoje, a questão mais candente. E é também um tema polêmico na Europa. Não é de surpreender que haja pressões em favor de imigração de mão-de-obra não-especializada para países ricos, tendo em vista as enormes diferenças salariais. O número de imigrantes ilegais nos EUA, predominantemente do México, é estimado em 11 milhões, contra 4 milhões em 1992. Imigrantes ilegais constituem cerca de 5% da força de trabalho, mas são 24% dos trabalhadores na agricultura, pesca e reflorestamento, 17% das pessoas em serviços de limpeza, 14% dos trabalhadores na construção civil e 12% dos trabalhadores envolvidos em preparo de alimentos. Com o crescimento da preocupação da opinião pública, o Congresso está debatendo duas reações distintas ao crescimento da imigração clandestina. A versão do Senado pretende endurecer as sanções contra os empregadores de imigrantes ilegais. Além disso, deseja estabelecer o programa de trabalhadores, conforme preferência do presidente George W. Bush, que permitiria a admissão anual de cerca de 400 mil estrangeiros para trabalhar nos EUA e criaria uma maneira dos imigrantes temporários e ilegais passarem a ser cidadãos americanos. Por sua vez, a Câmara concentra-se em erguer uma barreira para conter o fluxo de imigrantes ilegais. O fato do Congresso, em geral, e os republicanos, em especial, estarem divididos não é de surpreender. O empresariado e os ricos são a favor da imigração, ao passo que os nacionalistas e os menos favorecidos opõem-se a ela. Também não é de surpreender que provavelmente nenhum dos dois conjuntos de propostas funcionará: quando os interesses em favor de inação são fortes, a aparência de ação é quase sempre preferida à realidade. Na prática, será praticamente e politicamente impossível repatriar centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros e suas famílias. Igualmente, uma anistia a atuais trabalhadores ilegais asseguraria o ingresso de mais ilegais. Mas também nenhuma barreira física irá deter aspirantes à emigração para os EUA, a menos que seja erguida e operada nos moldes infames praticados pela extinta Alemanha Oriental, por cuja extinção ninguém derrama lágrimas. Entretanto, não seria impossível deter o afluxo. Se penalidades impostas a indivíduos ou a executivos-chefes que empregassem, ou admitissem que suas empresas empregassem, trabalhadores sem uma permissão válida fossem efetivamente draconianas, a demanda deixaria de existir. Essas pessoas não são idiotas. Sem sanções duras sobre os empregadores, as chances de conter a entrada de ilegais são desprezíveis. A questão é se tais sanções poderiam ser justificadas. E a resposta é positiva, por duas razões: a primeira é que a imigração descontrolada de mão-de-obra não-especializada é prejudicial aos cidadãos nativos já socialmente desfavorecidos; a segunda é que o desrespeito rotineiro a essas leis debilita o próprio império da lei.

-------------------------------------------------------------------------------- O obstáculo não é a ausência de trabalhadores nativos, mas o fato de que eles teriam de ser remunerados com salários mais altos na falta dos imigrantes --------------------------------------------------------------------------------

O economista que defendeu mais convincentemente a primeira dessas propostas é George Borjas, da Universidade Harvard (The Evolution of the Mexican-born Workforce in the United States, National Bureau of Economic Research Working Paper 11281, April 2005, www.nber.org). De acordo com uma simulação feita pelo professor Borjas e por Lawrence Katz, do Birô Nacional de Pesquisas Econômicas, os salários reais dos americanos que interromperam seus estudos ginasiais seriam 8% maiores se os aspirantes a imigrantes provenientes do México entre 1980 e 2000 tivessem sido barrados, mas a imigração de mão-de-obra qualificada de outros países continuasse permitida. Na mesma linha de investigação, Steven Camarota, do Centro de Estudos sobre Imigração, um instituto de pesquisas e planejamento favorável a controles mais rigorosos, argumenta que o afluxo de imigrantes com escassa capacitação profissional já prejudicou trabalhadores concorrentes nascidos nos EUA. À medida que a proporção de imigrantes (tanto legais como ilegais) na força de trabalho cresceu, a proporção de nativos relativamente não-especializados empregados caiu. Além disso, muitos nativos não-especializados foram expulsos da força de trabalho. Um contra-argumento usual, muito familiar nos dois lados do Atlântico, é que os imigrantes aceitam tarefas que os nativos não se dispõem a fazer. Isso é duplamente incorreto. Em primeiro lugar, a oferta de mão-de-obra depende de seu preço. Os empregadores devem saber disso: afinal de contas, é o argumento que usam para justificar a formidavelmente crescente remuneração dos executivos. Sem imigrantes ilegais, as pessoas teriam de gastar mais com babás, pessoal de limpeza, trabalhadores agrícolas e assim por diante. Segundo, a maioria dos trabalhadores empregados em tarefas também desempenhadas por imigrantes são americanos nativos. O obstáculo não é a ausência de trabalhadores nativos, mas o fato de que eles teriam de ser remunerados com salários mais altos, na ausência dos imigrantes. Igualmente inválido é o argumento segundo o qual sem os imigrantes ilegais surgiriam pressões inflacionárias, o que obrigaria o Fed, banco central dos EUA, a conter o crescimento. Esse argumento confunde mudanças em salários relativos com um processo inflacionário generalizado. Com menos imigrantes, a economia simplesmente cresceria mais lentamente. Mas a questão, para os cidadãos nativos não é se a imigração faz crescer a economia, mas se ela implica em aumento de suas próprias rendas per capita. Isso pode ser uma conseqüência da imigração, mas pode também não ser. A imigração de mão-de-obra com baixo nível de especialização também produz efeitos distributivos adversos. Se uma preocupação dominante fosse com o bem-estar dos nativos mais desfavorecidos, o argumento em favor do controle do atual afluxo de imigrantes ilegais seria forte. Se um desejo de oferecer oportunidades a estrangeiros pobres temperasse essa preocupação, haveria justificativas para um abrandamento formal dos controles, associado a subsídios aos salários dos trabalhadores nativos com baixo nível de especialização. O que não podem ser justificadas são restrições sobre a imigração que ninguém pretende fazer valer. Ao argumentar em favor do controle da imigração ou de compensar a mão-de-obra nativa pelo impacto da imigração, é preciso lembrar o contexto mais amplo. A abertura do comércio mundial está erradicando oportunidades de produção de bens e serviços comerciáveis com emprego intensivo de mão-de-obra em países de alta renda. A mão-de-obra nativa não-especializada precisa, cada vez mais, ser absorvida em atividades que geram bens e serviços não-comercializáveis. Se a oferta de imigrantes não-especializados causar também um aviltamento salarial nessas atividades, surgirá, inevitavelmente, uma desafortunada excluídos. Mas, qual a relevância disso? A resposta depende de saber se desigualdades extremas são compatíveis com um regime democrático bem-sucedido. Os precedentes sugerem, ao contrário, que extrema desigualdade é uma receita para populismo, plutocracia, ou uma infeliz alternância entre os dois. Entretanto, a emigração para os EUA, embora considerável, não é a principal causa da crescente desigualdade na sociedade americana. A verdadeira causa é um tópico que pretendo abordar na próxima semana.