Título: Indenização dos pontos comerciais terá que ser buscada na Justiça
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2006, Especial, p. A16

José Renato Nobre de Matos trabalhou oito anos em uma lanchonete simples onde prostitutas desfilam pela calçada às 11 horas da manhã. Resolveu fazer a aposta da sua vida neste lugar. Negociou com seu antigo patrão e acertou a compra da lanchonete "Pitchula" em 32 prestações de R$ 5 mil. Pagou em março a 27ª parcela e recebeu a notícia de que seu empreendimento será desapropriado e demolido ainda este ano, para a construção da nova sede da Subprefeitura da Sé. "Vou recomeçar do osso. Sei que o dinheiro da indenização vai todo para o proprietário do imóvel e que eu vou ter que entrar na Justiça para receber o fundo de comércio", afirmou Nobre de Matos. Fundo de comércio é o conceito que Nobre de Matos precisa caracterizar na Justiça para ter direito a um ressarcimento. Segundo a definição do Superior Tribunal de Justiça, o fundo de comércio " representa o produto da atividade do comerciante, que, com o passar do tempo, atrai para o local expressão econômica". Ou seja, é o valor do ponto comercial, além do mobiliário, da capacidade de atrair clientela, do prestígio e outros indicadores cuja comprovação judicial é trabalhosa. Um processo de indenização por fundo de comércio demora em média cinco anos. Sem recurso à Justiça, o poder público só indeniza o proprietário do imóvel que, em geral, vale muito menos do que o estabelecimento comercial que obriga. Ao lado da lanchonete, o terreno do posto de gasolina vale cerca de R$ 150 mil. Para montar um posto, segundo o proprietário Antonio Clóvis da Silva, gasta-se em torno de R$ 800 mil. Silva também será desapropriado. Também não é o dono do imóvel. "A prefeitura poderia ter aberto caminho para quem sempre ficou aqui poder investir para continuar, mas não o fez", afirmou Carlos Cunha, sócio de Jesus no Hotel Central. O sapateiro Marques Gumercindo passou 20 anos de sua vida em um pequeno comércio do lado do posto de gasolina de Antonio Clóvis da Silva. Há dez anos, mudou-se para o outro lado da rua e depois de tanto tempo na região da Cracolândia, parece não acreditar que perderá seu comércio. Pouco sabe do projeto. "Ninguém falou nada para mim até agora. Na hora em que falarem, vou ter que pegar minha mala e ir embora", reclamou. "Só quero saber se o prefeito vai pagar alguma coisa." Muito diferente é a situação de outros comerciantes em que a prefeitura já fez o papel de imobiliária informal. É o caso de Gustavo Gonçalves, o proprietário do estacionamento Nova Timbiras, um terreno de cinco mil metros quadrados, dando entrada para três ruas. "A prefeitura fez a parte dela. Me colocou em contato com as grandes construtoras", disse Gonçalves, lamentando o pouco sucesso dos contatos. No começo do ano, a empresa Nova Timbiras participou de reuniões na prefeitura, à mesma época em que também eram organizados encontros do governo municipal com empresários da construção civil. "A atitude da prefeitura é sensacional, mas a iniciativa privada pulou fora. As grandes construtoras não acreditam no sucesso da região. Sinto que abandonaram o projeto. Quem está realmente interessado são os pequenos e médios construtores que querem levantar shoppings populares, de produtos eletrônicos", afirmou Gonçalves.