Título: Moradores de baixa renda temem desalojamento
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2006, Especial, p. A16

"O centro é melhor até para passar fome. Ninguém quer ir para longe sem trabalho e sem transporte", diz Sebastião Nicomedes de Oliveira, um dos líderes do Movimento Nacional pela Luta e Defesa do Morador de Rua. "No centro, a gente consegue sempre um 'bico'. É mais fácil para ganhar comida e esmola e não se gasta com ônibus". Localizada no centro de São Paulo, a Cracolândia atraiu pessoas de baixa renda que buscam moradia barata e próxima de onde há oferta de empregos. Essa população está atemorizada com o projeto Nova Luz. Em quase todas as ruas que serão transformadas pelo projeto, há cortiços e hotéis que se transformaram em pensões. Depois de morar na rua, em ocupações e cortiços, Sebastião mora em um prédio de locação social e paga R$ 25 por mês por um cômodo. A preocupação dele é para onde os moradores serão transferidos quando as obras começarem. "A maioria das pessoas não sabe do projeto. Eles vão ser pegos de surpresa", preocupa-se a líder do Movimento dos Sem Teto do Centro, Ivanete de Araújo. Ivanete concorda com a revitalização, mas receia que a população de baixa renda seja retirada e que as novas habitações sejam voltadas para a classe média. "Dessa forma, eles vão empurrando os pobres, os drogados para longe. Mas para onde eles vão?" Moradores regulares de prédios degradados também sentem a pressão da prefeitura com o projeto Nova Luz. É o caso do edifício Santa Josefa, no número 11 do Largo General Osório, um prédio de 24 andares onde cerca de mil moradores dividem-se em 200 apartamentos. A prefeitura condicionou a não-interdição à uma reforma. A restauração da fachada e a adequação às normas de seguranças está estimada em R$ 600 mil e os moradores estão procurando fontes de financiamento, que poderão vir tanto do BID quanto da Caixa Econômica Federal, segundo o síndico Daniel Ramos. O grande problema é a condição financeira dos moradores: a inadimplência do condomínio chega a 50%. " Mas não há outra saída", diz Ramos. A Secretaria de Habitação, por meio de sua assessoria, reitera apenas que nenhum morador que tiver de ser removido da Luz ficará sem moradia e que há projetos habitacionais para baixa e média renda reservados para os habitantes do bairro. O secretário, Orlando de Almeida Filho, criticado pelos movimentos sociais pela falta de diálogo com a população carente, não respondeu aos pedidos de entrevista. No primeiro ano de gestão, as políticas sociais implementadas pelo ex-prefeito José Serra foram taxadas de higienista. Projetos polêmicos, como a construção de rampas antimendigos e a retirada de moradores de rua do centro, geraram manifestações da população de baixa renda, de movimentos sociais e da igreja. O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, uma das vozes mais ativas na cidade na defesa dos direitos dos pobres, vê um recuo nas ações do governo. "Nenhum de nós é a favor de que as pessoas fiquem nas ruas, mas que haja moradia para elas. Não se percebe uma política de governo para resolver o problema", critica. "Há propostas, mas não uma política pública consistente para moradias." (CA e SM)