Título: O peso dos ativos do coreano Mu
Autor: Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2006, Empresas &, p. B1

Se você não for um potencial investidor, com um bom dinheiro no bolso, dificilmente vai conseguir agendar uma reunião com o senhor Mu Hak You. Se você for coreano, assim como ele, as suas chances de sucesso tendem a aumentar. Embora pouca gente tenha ouvido falar dele e, entre os que ouviram, uma porção ainda menor o conheça pessoalmente, o senhor Mu tornou-se, no curso dos últimos dez anos, uma figura de relativo peso no mundo das companhias abertas brasileiras. Ele se especializou em adquirir pedaços de empresas com ações negociadas em bolsa. Em alguns casos, um pedaço e tanto. Ele é dono de 12,64% das ações com direito a voto da Lojas Americanas, o que faz dele o seu maior acionista minoritário. Essas ações, que representam também 4,79% do capital total da rede de varejo, conferem a Mu uma vaga no conselho de administração da rede, onde ele se senta lado a lado e compartilha as decisões estratégicas com o trio de controladores Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Nada mau. A carteira de ações de Mu é gerida por sua empresa, a GWI, sigla para o pomposo nome de Global Worldway Investment, que também administra recursos de terceiros. Nos últimos tempos, dois fatos chamaram a atenção para os seus negócios. No fim de janeiro, um comunicado da Lojas Americanas informava sobre uma grande transferência de ações da GWI, que até então também era sua acionista, para Mu pessoalmente. Paralelamente, o fundo de ações GWI FIA tem se destacado em diversos rankings de rentabilidade. Desde o início do ano, é o fundo que mais rendeu na categoria "Ibovespa ativos com alavancagem", ou seja, fundos de ações que seguem o índice da Bolsa de Valores de São Paulo, porém com uma pimenta a mais de risco. Acumula valorização de mais de 50% até agora. A reportagem do Valor fez reiterados pedidos de entrevista a Mu Hak You. Todos negados. Em uma das tentativas, recebeu como resposta que ele "não gosta de aparecer" e que tampouco autorizaria alguém de sua equipe a fazê-lo. A Lojas Americanas também não quis comentar sobre seu acionista. Em estilo longe de ser discreto, entretanto, Mu aparece em um vídeo institucional disponível na página na internet de sua empresa (www.gwibank.com.br). De rosto arredondado e usando óculos, Mu Hak You fala português com acentuado sotaque. Ele explica seus negócios e discorre sobre os planos para o futuro. O que mais chama a atenção é a previsão de atingir R$ 10 bilhões em ativos administrados até 2010. Hoje, a GWI informa em seu site administrar ativos da ordem de R$ 1,3 bilhão. Desses, cerca de R$ 140 milhões são a soma do patrimônio do fundo GWI FIA e de um clube de investimentos em ações. Todo o restante, ou seja, mais de R$ 1 bilhão, segundo explicações de um funcionário da GWI, seria o dinheiro do dono. A cifra impressiona. Só as ações da Lojas Americanas que possui representam, a valores de hoje na bolsa, um patrimônio aproximado de R$ 300 milhões Segundo esse mesmo funcionário, quase metade do patrimônio do GWI FIA também pertence a Mu. O propósito é convencer os clientes de que o dinheiro é bem gerido com o argumento de que, se houver prejuízo, o dono da empresa perde junto. Em todos os negócios em que entra, Mu Hak You procura seguir uma regra: comprar muito barato, sentar em cima do papel e esperar por sua valorização. "Ele é muito esperto, comprou ações do portal Americanas.com valendo nada", diz o alto executivo de um banco de investimentos. "Quem o conhece no mercado financeiro o respeita por ter criado uma fortuna dessa forma", diz o executivo de um outro banco. As ações da Americanas.com teriam sido compradas na "bacia das almas" do setor de tecnologia, logo após o estouro da bolha da internet, quando um grupo de fundos de private equity quis deixar o investimento. Para Mu, conta-se no mercado financeiro, foi uma operação de grande valor estratégico, já que ele é também acionista da Lojas Americanas. "Ele buscou proteger-se porque pode haver uma incorporação do portal pela varejista no futuro a um preço alto, que diluiria os minoritários da Lojas Americanas. Agora ele está nas duas pontas." Seus investimentos pessoais, o fundo de ações e o clube de investimentos são focados em alguns poucos setores. Além de varejo (até pouco tempo atrás ele também estava em Lojas Renner), Mu também gosta dos segmentos de energia, siderurgia e petróleo. Atualmente, a carteira do fundo e do clube é composta por apenas seis empresas. Estão lá papéis das companhias de energia Copel, Eletropaulo e Cesp, da empresa de telecomunicações Telesp (Telefônica), da Lojas Americanas e da siderúrgica Usiminas. Essa última responde por quase metade do total. Um executivo que trabalhou em uma empresa da qual Mu é acionista o descreve como um "investidor sério, ao estilo Warren Buffet", ou seja, que procura empresas baratas, com bons fundamentos econômicos, para ficar com elas em carteira por muitos anos. Segundo esse executivo, que hoje trabalha em uma companhia de outro setor, Mu visitava a empresa regularmente para fazer críticas e recomendações. "Ele estuda as empresas profundamente e gosta de ter influência na gestão." O pouco que se consegue saber de Mu e da construção de seu negócio é bastante curioso. Ele fundou a GWI em 1995 como uma factoring. Aparentemente, começou descontando cheques e emprestando dinheiro para os comerciantes da comunidade coreana do Bom Retiro, no centro de São Paulo. É nesse bairro, dominado pelas confecções e lojas de fábrica de propriedade de coreanos, que está até hoje o escritório da GWI. Mas está programada para a metade do ano uma mudança para o coração financeiro da capital paulista, a avenida Faria Lima. No vídeo institucional, o próprio Mu diz que um dos pilares do crescimento de sua empresa foi o dinheiro da comunidade coreana. Até meados do ano passado, 100% dos clientes da GWI eram coreanos. Hoje, já há alguns brasileiros e, segundo as palavras do funcionário da GWI, judeus, entre a clientela. Em seu currículo na internet, o executivo informa ter se formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas e ter trabalhado por 18 anos, até 1994, em três instituições financeiras: o antigo banco Nacional, o Citibank e o BankersTrust. Em meio a suas informações pessoais, uma é bastante pitoresca: ele se autodefine como filantropo.