Título: O tamanho dos nossos sonhos
Autor: Lux, Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 29/05/2010, Opinião, p. 25

Ministro do Superior Tribunal de Justiça, presidente da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do novo Código de Processo Civil

Hans Kelsen, o jurista de Viena, laborou até o ocaso da vida sobre a questão do justo. Percorrendo todas as correntes jusfilosóficas, laicas e religiosas, fez plasmar a sua perplexidade nas obras que escreveu, cujos títulos bem demonstram as constantes indagações sobre o tema. Escreveu sobre o sonho de justiça, a ilusão da justiça, o império da justiça e, por último, o que é justiça.

Legou-nos, então, a ideia de que o importante não é saber a resposta se não parar de perguntar, porquanto a justiça, na sua versão, representava o mais formoso sonho da humanidade. A justiça é prestada através do processo que, enquanto não termina, não se sabe quem tem razão, por isso que essencialmente kafkiano.

Essa percepção quanto à necessidade de término do processo investe-nos na questão central da morosidade da Justiça.

O professor Mauro Cappelletti, que, juntamente com Bryan Garth, da Universidade de Stanford, elaborou o cognominado Projeto de Florença, detectou que um dos males desse substitutivo da vingança privada, o processo judicial, era a sua duração irrazoável em todos os países do mundo.

O constituinte brasileiro, atento a esse direito fundamental do homem, qual o de obter uma prestação de justiça célere, fez inserir na Carta Constitucional, como um dos ideários da nação, ¿a duração razoável dos processos¿. Entretanto, num país como o Brasil, no qual, para cada cinco brasileiros um litiga em juízo, torna-se uma utopia essa promessa constitucional.

Qual o tribunal do planeta que pode se desincumbir em prazo razoável da prestação de justiça diante de milhões de ações que abarrotam os tribunais? E o que é mais paradoxal: ações idênticas que caminham paralelamente, desafiando a lógica da igualdade, permitindo que, de cada cabeça, se origine uma sentença diferente para questões idênticas.

O sistema anglo-saxônico, calcado na justiça e na razão, preconiza devam as causas iguais receberem o mesmo tratamento, descompromissando o magistrado das causas futuras de inusitadas criações, impondo-lhe a ¿força do precedente¿.

O juiz não cria as leis, mas, uma vez interpretadas pelas cortes superiores num determinado sentido, devem ser aplicadas igualmente para questões idênticas, consagrando, na visão de Dennys Loyd , autor de A ideia de lei, o princípio da igualdade perante a Justiça.

Essa técnica coadjuvada pela redução das formalidades tem-se revelado, aqui e alhures, instrumentos eficientes no combate à morosidade judicial. Assim ocorreu na Alemanha, na Itália, no Japão, em Portugal, na Espanha e na Inglaterra, para nos referirmos às reformas processuais mais recentes.

O Brasil, por ato do Senado, criou uma comissão para elaboração de um moderno instrumento de prestação da justiça: o novo Código de Processo Civil. A sociedade foi ouvida em audiências públicas pelo Brasil, oferecendo centenas de sugestões; o Senado da República recebeu 13 mil contribuições da comunidade jurídica como um todo, através do correio eletrônico; enfim: o Brasil falou e foi ouvido.

Avizinha-se o prazo de entrega do anteprojeto que contempla vários instrumentos capazes de superar a tão decantada morosidade da Justiça. Traz em seu bojo ideias e sonhos, iguais àquele a que se referiu Kelsen.

A Comissão, por seu turno, sonhou junto com a nação brasileira, e entendeu ser necessário enfrentar os novos tempos com um novo direito. Compreendeu que, 37 anos depois do código em vigor desde 1973, impunha-se recomeçar. O recomeço deve ser pra valer, de modo a fazer-nos esquecer como era.

Nesta hora, têm lugar a ousadia responsável, o amor pelo futuro do país e a grandeza dos sonhos dos homens que pensam e laboram em prol da pátria. A luta é incansável, mas atenta ao estímulo poético de Drummond de Andrade, na sua pérola literária

Recomeçar: ¿Não importa onde você parou.../ em que momento da vida você cansou.../ o que importa é que sempre é possível e necessário recomeçar / Onde você quer chegar? / Ir alto...sonhe alto...¿

Porque realmente não somos do tamanho daquilo que vimos, se não do tamanho daquilo que sonhamos.